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Há uma Serra da Estrela e peixes que vivem 100 anos no mar dos Açores




Uma cadeia montanhosa semelhante à Serra da Estrela, jardins de corais e agregações de peixes relógio são algumas das descobertas mais recentes no mar profundo dos Açores e servem para perceber que áreas devem ser protegidas.

O "cliché", como apelidou Telmo Morato, continua a ser verdade: "conhece-se mais da superfície da Lua ou de Marte do que do mar profundo". Mas as expedições recentes ao mar dos Açores têm permitido conhecer um pouco melhor o grande desconhecido, explicou o cientista.

O investigador do mar profundo do centro Okeanos, da Universidade dos Açores, revelou esta sexta-feira, durante a cimeira de investigadores e cientistas Glex, que decorre no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, algumas das mais impressionantes descobertas.

Começando por uma "nova Serra da Estrela - uma montanha que não estava nas cartas e que vem de cerca de três mil metros de profundidade, até o topo, que está a cerca de 500 metros de profundidade".

Esta descoberta é muito importante porque este complexo montanhoso "tem as características necessárias para haver exploração de pesca, ou outro tipo de exploração e, por ser desconhecida, é uma montanha intacta, completamente virgem, não existe em terra, ou existem muito poucas", adiantou o biólogo, em declarações à agência Lusa.

Devem ser "declaradas áreas marinhas protegidas"

"Não só encontramos uma nova Serra de Estrela, como a encontramos em estado virgem, que nos permite conhecer os ecossistemas, neste caso, do mar profundo, como seriam antes de serem impactadas pelas atividades humanas, neste caso dos Açores, pela pesca", destacou.

Zonas como esta "deverão ser imediatamente identificadas pelo Governo Regional e pelo Governo da República, para serem declaradas áreas marinhas protegidas", considerou, já que os investigadores encontraram lá "das zonas mais ricas, em termos de peixe comercial", que alguma vez tinham visto na região.

A vasta exploração da zona permitiu também desmistificar algumas ideias amplamente aceites pela comunidade científica, como a de que "a Dorsal Médio Atlântica, que é a maior montanha ou cadeia montanhosa do planeta, que vai desde o ártico ao antártico, seria uma zona relativamente pobre a nível de comunidades biológicas, de biodiversidade".

"Mas a nossa exploração acaba por demonstrar que a Dorsal Médio Atlântica é altamente rica, altamente diversa e tem, em algumas zonas, jardins de corais com um valor incalculável", adiantou.

E são valiosos porque são "o equivalente a florestas em terra", já que "criam habitat para uma data de espécies que vivem associadas a estes jardins de corais, mas também acabam por ajudar a sequestrar carbono da água e, com isso, têm um papel fundamental no controlo do dióxido de carbono atmosférico e na mitigação das alterações climáticas".

Floresta de corais negros e "pastilha elástica"

Entre as colónias observadas, está a recentemente divulgada floresta de corais negros, com uma dimensão aproximada à de "um campo de futebol", e com exemplares "com três mil anos de idade, que, se forem impactados, nunca vão recuperar, porque as condições ambientais estão em mudança e daqui a 100, 200 anos - ou até menos, 10, 50 anos - as condições ambientais daquele lugar já possivelmente não serão as ideais para aquelas espécies sobreviverem".

Há também jardins de corais 'bubblegum' (pastilha elástica), ainda sem tradução direta para o português, mas que receberam este nome devido às bolas que têm nas pontas.

Estas "colónias vivem cerca de 500 anos, mas como vivem na mesma profundidade onde a atividade de pesca ocorre, julgávamos que ia ser muito difícil, nos Açores, encontrar estas florestas em bom estado ambiental, em boa condição", confessou.

Peixes que vivem mais de 100 anos

Além da Serra da Estrela subaquática, a mais recente expedição desta equipa, que terminou há quatro semanas, revelou também "uma grande quantidade de peixe relógio, que são dos peixes mais emblemáticos a nível global, porque são dos peixes com maior longevidade, vivem mais de 100 anos".

Infelizmente, esta espécie foi "alvo de uma pesca intensa, nos anos 90, que reduziu drasticamente a sua população", disse.

"Os Açores, em 2005, numa atividade conjunta com os pescadores, decidiram proibir a pesca com redes de arrasto, antes de qualquer atividade de pesca com arrasto chegar a existir. Esse acabou por ser um marco importante, porque, apesar de os Açores não serem uma área marinha protegida per si, desde 2005 que estão protegidos da atividade que, possivelmente, mais impacto tem no mar profundo, não só nos peixes, neste caso, no peixe relógio, como nas comunidades de corais de que os peixes se servem", frisou o cientista.

Todas estas descobertas contribuem para um conhecimento mais vasto do mar profundo, mas permitem também informar os decisores sobre que áreas devem ser protegidas, destacou o biólogo.

Na sua apresentação, Telmo Morato terminou reconhecendo a importância e o mérito da Agência Espacial Europeia e lançando um repto: "Porque não uma Agência Europeia do Mar Profundo?"


jn.pt

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