terça-feira, 23 de março de 2021

Conheça as algas made in Açores que podem salvar o planeta


A ideia de alimentar vacas com algas não é de agora, mas a ciência mostrou que pode reduzir a produção de metano em 82% a longo prazo. São boas notícias para quem apanha estas algas nos Açores, como a seaExpert, que vê um pico de interesse dos cientistas. Mas ainda estamos muito longe da produção em massa da Asparagopsis.

Nas profundezas do mar dos Açores, esconde-se a chave para tornar o nosso consumo massivo de carne um pouco mais sustentável. Se uma das grandes ameaças ao futuro do nosso planeta é a emissão de metano por vacas, a maioria através de arrotos, uns 5% através de flatulência, a solução pode ser a Asparogopsis taxiformis. A introdução de pequenas quantidades desta alga vermelha na alimentação das vacas diminui a produção de metano – responsável por quase 15% das nossas emissões de gases com efeito de estuda – nuns extraordinários 82%, ao longo de cinco meses, verificou um estudo publicado na Plos One, a semana passada. No futuro, talvez possamos encontrar no supermercado carne de vaca certificada como sendo alimentanda com algas, à semelhança de produtos biológicos, ou a prática tornar-se até requisito para a produção bovina. Talvez o arquipélago dos Açores, que têm ótimas condições para estas algas e tantas vacas, lidere essa revolução alimentar. No entanto, até lá ainda há muito que caminhar, considera Artur Oliveira, diretor comercial da seaExpert, a empresa açoriana que apanhou Asparogopsis taxiformis para muitos destes estudos.

Neste momento, “muito do fornecimento existente vem de algas selvagens, que é o que faz a seaExpert, mais uma mão cheia de fornecedores”, explica Oliveira. “Mesmo que fossem explorados todos os locais onde existe esta alga, mesmo que todos espécimes selvagens fossem apanhados, não chegava para abastecer uma industria tão massiva como a produção animal, mesmo só bovina, sem falar de outros ruminantes. Nunca na vida”.

“A dificuldade é mesmo cultivar”, nota o engenheiro biológico, nascido em Guimarães mas que entretanto se apaixonou pelo mar dos Açores. “É possível produzir Asparogopsis taxiformis em aquacultura, mas não se sabe ainda como em grande escala. Ainda está em estudo, e vai demorar algum tempo”.

“Há várias dificuldades em escalar a produção de algas”, concorda Paulo Cartaxana, investigador de biotecnologia marinha e aquacultura no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro. “Uma coisa é cultivar algas em balão, em condições ultracontroladas, outra coisa é cultivar macroalgas em tanques de maiores dimensões, ou mesmo em sistema aberto”.

“O principal problema aí é controlar todos os fatores que mexem com o crescimento das algas, como a luz e os nutrientes, azoto e fósforo principalmente”, explica Cartaxana. “Algo que tem sido muito feito é utilizar as macroalgas como elemento de uma aquacultura integrada”, continua. “Ou seja, como geralmente a aquacultura de peixes causa afluentes muito ricos em nutrientes – porque se tem de adicionar farinha e os dejetos dos peixes vão para a água – estes têm de ser tratados. Mas se incluirmos na cultura um elemento de outro grupo trófico, neste caso macroalgas, elas utilizam estes nutrientes para o seu crescimento, e temos dois aspetos positivos”. Talvez seja esse o futuro da produção de Asparogopsis taxiformis – assim que a ciência perceber exatamente como o fazer.

Um trunfo Há algum tempo que havia indícios que a Asparagopsis taxiformis podia ser um trunfo no combate às alterações climáticas, havia receios. Não se sabia se, ao longo do tempo, o sistema digestivo das vacas se adaptaria à alga, voltando a produzir metano, ou se o animal ganharia peso à mesma velocidade, ou se a alga alteraria o sabor da carne e do leite. O estudo, o primeiro a larga escala, ao longo de meses e fora do laboratório, dissipou muitas dessas dúvidas.

“Agora temos provas sólidas de que as algas na dieta do gado são eficazes a diminuir os gases com efeito de estufa, que essa eficácia não diminuí ao longo do tempo”, notou Ermias Kebreab, diretor do World Food Center e professor na Universidade da Califórnia, citado pelo Guardian, acrescentando que alguns animais alimentados com algas até ganharam mais peso que o esperado.

“É preciso haver mais alguns estudos, mas consideramos que isto tem potencial”, prometeu Kebreab. Não se trata de coisa pouca. O metano pode ter um tempo de vida ligeiramente inferior ao do dióxido de carbono na atmosfera, mas é quase 30 vezes mais eficiente a capturar calor, sendo um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global.

O segredo das algas Afinal, porque é que os bovinos são uma fonte tão grande de metano? Para começar, são muitos. Neste momento, estão a ser criados uns 1,5 mil milhões de bovinos por todo o planeta, tendo sido abatidos mais de 300 milhões em 2018, segundo dados das Nações Unidas. Depois, o processo tem tudo a ver com aquilo que torna os animais ruminantes, como bovinos e ovinos, capazes de digerir plantas que não são comestíveis para nós, como relva. Os estômagos com quatro compartimentos dos ruminantes contêm uma vasta gama de micróbios, que lhes permitem fermentar estes alimentos para retirar os nutrientes.

É aqui que surge o metano – um dos subprodutos deste processo são gases como hidrogénio e dióxido de carbono, que o corpo destes animais não consegue processar, exceto através de bactérias metanogénicas, sendo este gás expelido através de arrotos e flatulência.

Contudo, as algas do género Asparagopsis têm glândulas especializadas que produzem bromofórmio, um composto orgânico. Basta congelar, esmagar e polvilhar um pouco destas algas na comida dos bovinos – o ideal é que seja 0,5% da forragem, com 0,75% verifica-se uma ligeira diminuição no seu consumo, presumivelmente porque os animais não apreciam o sabor – e o bromofórmio bloqueia o carbono e hidrogénio no estômago, impedindo a formação de metano, criando em vez disso um lípido, algo que pode explicar o ligeiro aumento no peso do animal.

Origens antigas de soluções novas A ideia de dar algas a bovinos não é tão estranha como se poderia imaginar. Há registo de pastores da Antiga Grécia alimentarem o gado, bem como na Islândia, no séc. XVIII. Mas foi só nos anos 2000, quando Joe Dorgan, um agricultor canadiano da ilha Prince Edward, deu conta que vacas que comiam as algas que davam à costa tinham maior taxa de sucesso a dar à luz, produziam mais leite e menos inflamações nas glândulas mamárias, que a ciência começou a olhar para o assunto com mais atenção.

Dorgan, decidido a vender algas a outros agricultores, contratou Rob Kinley, então investigador na Universidade Dalhousie, na Nova Escócia, para estudá-las. Os resultados foram positivos, e Kinley até se apercebeu que estas algas diminuíam emissões de metano. “De repente, lembrei-me que, provavelmente, aí pelo mundo, andava uma alga que ainda o fazia melhor”, explicou o cientista, que desde então mudou-se para a Austrália, onde se dedica à Asparagopsis, citado pelo Washington Post.

No entanto, as vantagens de usar suplementos de alga na alimentação de bovinos não ficam por aqui. O próprio processo de cultivar algas pode ser positivo para o ambiente, porque sequestra dióxido de carbono sem gastar terreno arável, ao mesmo tempo que reduz a acidificação dos oceanos.

“Ao contrário da aquacultura de peixes, não vejo grandes desvantagens ecológicas”, considera Paulo Cartaxana. Com o senão que o uso de Asparagopsis à escala global pode causar pressão para uma aquacultura de algas intensiva.

“Claro que precisa de área, e projetos instalado em zonas ecologicamente importantes pode ter efeitos nocivos”, explica o investigador, dando como bom exemplo as produções de algas em Aveiro, que têm utilizado salinas desativadas. “E é claro que se, para potenciarmos o crescimento das algas tivermos de adicionar nutrientes, estamos a causar problemas ambientais de eutrofização”, alerta. Ou seja, pode estimular o crescimento de algas e outras plantas aquáticas à superfície da água – dando o aspeto de uma zona cheia de vida, quando abaixo da superfície quase todas as espécies estão mortas por falta de luz.

Apesar desse risco, é certo que “as algas estão finalmente a ter o seu momento na ribalta”, garantiu Halley Froehlich, bióloga marinha na Universidade da California, à National Geographic, notando que, enquanto outros escoadores de carbono são devastados pelos sintomas das alterações climáticas, como uma maior frequência nos incêndios, as florestas de algas cultivadas não ardem.

Fonte: Jornal i

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