Duas moléculas segregadas pela rã verde ibérica quando se sente em perigo podem neutralizar a proteína que o vírus usa para entrar nas células. Testes in vitro arrancam na última semana do mês.
Em maio de 2019, quando a equipa de investigadores da startup portuguesa Bioprospectum se juntou à Universidade do Porto para unir esforços em torno do estudo dos anfíbios, ainda o mundo não estava refém de um novo coronavírus que já infetou 20 milhões de pessoas e matou centenas de milhar.
Mas foi desta simbiose que, mais de um ano depois, pode vir uma possível solução para combater o SARS-CoV-2: duas moléculas encontradas da rã verde ibérica dos Açores que terão capacidade para neutralizar o vírus e impedir que a proteína S — os espigões que lhe dão o aspeto coroado — encaixe nos recetores das células humanas.
É o que conta Alexandra Plácido, CEO da Bioprospectum e investigadora na Universidade do Porto, ao Observador. A startup onde trabalha, sediada no Porto, tem a ambição de “criar um banco de moléculas da biodiversidade ibero-americana” para “identificar moléculas com potencial anti-oxidante, anti-microbiano, anti-inflamatório e anti-cancerígeno” na natureza.
É um plano que se cruza com a missão da VIDA-FROG, um projeto onde Alexandra também participa e que pretende estudar os anfíbios. Por isso, em maio do ano passado, a equipa rumou ao grupo oriental dos Açores:
“Um dos objetivos do projeto era fazer um estudo comparativo entre a rã verde ibérica continental com a dos Açores. Isto porque, nos Açores, a rã foi introduzida pelo Homem. Um aspeto que queríamos analisar era se havia diferenças em termos de expressão de genes devido a uma adaptação ao ecossistema“, conta ao Observador.
Primeiro, os cientistas puseram um bioestimulador elétrico na superfície da pele da rã verde ibérica. Essa ferramenta simula um impulso do cérebro semelhante ao que ocorre quando o animal está a ser atacado por um predador. Nesse momento, a rã produz umas secreções cutâneas que ficam à superfície da pele — secreções essas que são recolhidas com materiais apropriados. O animal é posto em repouso durante 20 minutos e é libertado a seguir.
Esse material biológico está cheio de moléculas, nomeadamente péptidos — moléculas que se formam pela ligação de vários aminoácidos. São tantos que, para os identificar a todos, a Bioprospectum usa uma plataforma em constante atualização que seleciona as mais importantes para os planos da empresa.
“Nós damos informações à plataforma das características físico-químicas que é suposto terem os péptidos com determinado potencial. Quando procuramos por eles, a plataforma diz-nos quais são os mais adequados e é com esses que avançamos com testes em laboratório”, explica a investigadora.
Até há pouco tempo, ninguém tinha ensinado esta base de dados a procurar por péptidos antivirais. Mas os tempos mudaram e, depois da ameaça que o novo coronavírus instalou no mundo, a empresa quis adaptar-se. Colaborou então com uma empresa brasileira de inteligência artificial, a MI4U, para modificar o algoritmo da plataforma com uma missão muito precisa: identificar as interações possíveis entre as moléculas na base de dados e a proteína S do novo coronavírus.
“Tendo essa plataforma adaptada para o SARS-CoV-2, fomos ao banco de moléculas e decidimos testar algumas delas. Por acaso, ambas as moléculas que a plataforma selecionou eram ambas da rã verde ibérica. Essas moléculas ligam-se a proteína S e bloqueiam-na, impedindo a fusão do vírus nos recetores das células humanas”, descreveu a investigadora.
A notícia é entusiasmante porque os péptidos têm duas vantagens. Por um lado, “são moléculas pequenas e, por isso, conseguem ter maior especificidade e afinidade para o alvo”: “Neste caso, a ligação destes péptidos com a proteína deve ser mais forte do que de outros péptidos que já conhecíamos”, prossegue Alexandra Plácido. Por outro lado, “de forma geral, apresentam baixa toxicidade quando comparadas com outras moléculas”.
Por enquanto ainda se está no domínio da pura teoria. A startup prepara-se agora para avançar para testes in vitro, em que uma célula humana infetada pelo novo coronavírus é exposta às duas moléculas e, a provar-se que conseguiram neutralizar a proteína S, o teste passa a ser feito em animais e, a seguir, em humanos. Alexandra Plácido não arrisca datas para cada um destes passos, mas está otimista: a primeira fase de testes arranca já na última semana de agosto.
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