Crónica de João Gago da Câmara na Visão
Caldeiras, que são narinas por onde vulcões respiram, servem o povo, que, atrevido, revolve a terra quente para nelas enterrar alimentos, cozinhando nas suas profanidades manjares de carnes e de peixes que são um pitéu para residentes e visitantes
Escreve José Ferreira para a balada “Ilhas de Bruma”:
É que nas veias corre-me basalto negro
No coração a ardência das caldeiras
O mar imenso me enche a alma
E tenho verde, tanto verde a indicar-me a esperança
São Miguel, com uma área de 745 quilómetros quadrados, denominada ilha verde dada a sua paisagem luxuriante com matizes de verdes intensos emprestados pela vegetação sempre esverdeada da ilha e por montes e vales onde pastam vacas de leite salpicadas de preto e branco, é a maior ilha do arquipélago dos Açores. É na capital de São Miguel, a cidade de Ponta Delgada, que está a sede do Governo Regional dos Açores que dissemina pela urbe, mas também pelas capitais das ilhas Terceira e Faial, secretarias regionais que, da cultura às obras, da economia à educação e à saúde, gerem as importantes valências da governação autonómica.
Ponta Delgada é hoje uma cidade desenvolvida porque usufrui de um turismo exponencial. A urbe exibe como sua imagem de marca as Portas da Cidade em forma de arcos abatidos, monumento originário do século XVIII, a gótica igreja de São Sebastião mesmo ao lado; o imponente Castelo de São Braz sobranceiro à enseada e ao porto de mar que em tempos defendeu a cidade de investidas marítimas; o belo Jardim José do Canto com um património arbóreo invejável expondo espécies dos cinco continentes e envolvendo um magnífico palácio; a Gruta do Carvão, conhecida por “Complexo Vulcânico dos Picos”, com mais de um quilómetro de comprimento e três metros de altura e o Convento da Esperança, junto ao Campo de São Francisco, onde todos os anos, em maio, acontece a festa religiosa apostólica romana, mas também profana, de maior expressão, a do Senhor Santo Cristo dos Milagres, que trás à ilha numerosa diáspora açoriana da América do Norte e do Canadá, mas também turismo religioso de diferentes latitudes. A veneranda imagem do Senhor Santo Cristo, entalhada em madeira e de estilo renascentista, reproduz o martírio de Jesus Cristo, rezando a história que deu à costa no convento micaelense da Caloura, na então freguesia de Água de Pau.
O oeste da ilha guarda o miradouro da Vista do Rei de onde se avista o hipnótico vale das Sete Cidades com a sua lagoa verde e azul como que depositada pela divindade entre escarpas íngremes e quase inacessíveis.
Também a oeste da ilha, a Ponta da Ferraria, uma fajã lávica que desce a rocha e beija o mar, esconde um dos maiores tesouros da ilha verde, uma enseada de águas salgadas quentes onde as pessoas se banham e que constitui o delírio dos turistas. A atividade vulcânica submarina gerou este fenómeno único no país. Por intervenção do Governo Regional dos Açores, este local foi elevado à categoria de Monumento Natural Regional e de Paisagem Protegida.
Fora a bela lagoa das Sete Cidades, uma das sete maravilhas naturais de Portugal, toda a ilha é banhada por lagoas espelhadas e mansas, de que se destaca a do Fogo com quinze mil anos de idade desde a sua formação vulcânica, a das Furnas com um riquíssimo jardim botânico mais abaixo do vasto manto de águas, no Parque “Terra Nostra”, as de Santiago, Rasa, das Éguas, do Congro, Empadadas, de São Braz, de Pau Pique, do Carvão, das Achadas, entre outras.
Em São Miguel pasma-se com ribeiras a debitarem águas límpidas para cascatas altaneiras, que depois de trilharem grotas abaixo, qual delas a mais curvilínea, precipitam-nas no mar; há piscinas de águas férreas, nas Furnas, no Parque “Terra Nostra” e na Poça da Beija, mas também na Caldeira Velha, na Ribeira Grande, ladeadas de lama que amacia a pele de quantos com ela se untam e que nas suas águas quentes se banham; caldeiras, que são narinas por onde vulcões respiram, servem o povo, que, atrevido, revolve a terra quente para nelas enterrar alimentos, cozinhando nas suas profanidades manjares de carnes e de peixes que são um pitéu para residentes e visitantes.
Depois, mas a nordeste, a vegetação nativa açoriana da floresta húmida em altitude, conhecida por “laurissilva dos Açores”, é alimento para um encanto de pássaro, uma ave endêmica única no mundo com uma plumagem bela em tons creme acinzentados, o Priolo, que poderá ser avistado durante o verão do miradouro do Pico Bartolomeu.
Esta ave, que pesa apenas trinta gramas e tem um comprimento máximo de dezassete centímetros, é alvo de intensa busca por ornitólogos de todo o mundo e por observadores interessados por aves que se fazem acompanhar de câmeras fotográficas, binóculos e telescópios. O priolo é, entre as espécies selvagens micaelenses, o pássaro endêmico ex-libris dos Açores.
Deixando o centro da ilha e demandando as zonas litorais, poderá banhar-se em praias maravilhosas como as das Milícias, de São Roque, da Ribeira Grande, da Ribeira Quente, da Pedreira, da Povoação, do Lombo Gordo, da Caloura, dos Mosteiros, dos Moinhos, ou em cativantes piscinas municipais como as de São Pedro, da Lagoa, Ribeira Grande, Poços, entre outras …
No verão, as festas em louvor do Divino Espírito Santo estalam por todos os povoados da ilha, juntando o povo, conhecidos e desconhecidos, em terreiros, praças, ruas e canadas, para, em são convívio, comer as sopas do Espírito Santo acompanhadas do bolo de massa sovada caseiro e, no fim, o tradicional arroz doce finaliza a refeição popular que é sempre regada pelo gostoso vinho de cheiro da ilha.
Na Páscoa, verá ranchos de romeiros católicos a percorrerem a ilha a pé por montes e vales, de bordão em punho e terço na mão, rezando avé-marias por penitência e por todos nós em ladainhas enfadonhas que apelam à reflexão, ao silêncio, ao respeito. Esta é uma tradição que data nesta ilha de 1522. É assim a ilha verde. Visite São Miguel. Há voos diários na SATA Internacional, na TAP e em low cost. Vai gostar. O micaelense recebe bem.
Crónica de João Gago da Câmara na visao.sapo.pt
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