sábado, 19 de janeiro de 2019

Carta aberta de uma estudante deslocada dos Açores cansada


O meu nome é Mariline Silva, tenho 20 anos e sou natural dos Açores, ilha do Pico. Neste momento vejo me obrigada a residir em Lisboa, pois sou estudante de Direito na UNL. Hoje venho partilhar a minha história consigo, e a de muitos outros que se encontram na mesma situação que eu, pois já está mais do que na altura dos estudantes açorianos serem ouvidos.

Nem sei por onde começar, por uma companhia aérea que não quer saber de nós, um Governo Regional e Nacional que “tapa os olhos”, e as faculdades que não têm o mínimo de respeito pelos alunos deslocados.

Começando pelo primeiro tópico, será de certo do seu conhecimento que a companhia aérea maioritária a operar nos Açores é a SATA. Podia-lhe contar mil e uma história sobre como esta deixou mal os estudantes açorianos por várias vezes. Situações como voos cancelados, não por causa de estar mau tempo, mas pelo avião não estar cheio e não lhes “dar jeito” fazer aquele voo; pessoas que levam 5 dias a chegar ao destino final; voos deslocados para outras ilhas deixando os passageiros iniciais atrás, e sujeitando-os a longas viagens com paragens em várias ilhas, quando o voo era direto, por questões de politiquice e estatísticas. Sabia que à custa disto muitos estudantes perderam aulas, frequências e exames? E o pior que tudo, residentes que perdem consultas e operações médicas? Não é fácil…

Sabe o que também não é fácil? Viver noutra ilha que não S.Miguel ou Terceira (sendo que também sofrem de todos os outros contras). Nestas ilhas temos outras empresas a operar como a TAP, e mais importante que tudo a Ryanair, que faz voos "lowcost". Enquanto os restantes alunos das outras ilhas têm que “desembolsar” 200€ para chegarem a Portugal Continental, os daquelas ilhas com esses serviços podem fazê-lo por 50€. É verdade que depois enquanto estudantes temos direito a um reembolso parcial nos CTT’s, ficando no valor de 100€, mas na altura os nossos pais, ou o responsável pelo pagamento da passagem tem que ter o montante inicial disponível para pagar. E 100€? Muitos de nós às vezes gostávamos de ir passar um fim de semana prolongado a casa, mas não o podemos fazer, sendo que na maioria das vezes ficamos 3, 4 meses sem vermos os nossos entes queridos, porque simplesmente não temos dinheiro para pagar a renda, propinas e ainda uma viagem de 100€.

Também é verdade que a Sata oferece ligação gratuita entre as ilhas que não têm Ryanair para as respetivas, no entanto, se perdemos o voo da segunda companhia, eles não se responsabilizam, ou seja, ficamos sem voo e acabamos a pagar mais, e dado o historial dos atrasos da Sata (nunca fui num voo que saísse a horas) é um grande risco.

Falando do Governo agora, sabia que não há nenhum apoio focado nos estudantes deslocados dos Açores? Oferecem-nos a bolsa da DGES “para nos atirar areia para os olhos”, mas também a oferecem a todos os outros. Ou seja, enquanto eu recebo, por exemplo, 1064€ anuais, e pago 300€ de renda mensal, há alguém de Lisboa que vive com os pais que recebe o mesmo valor que eu, ou mais elevado. Sendo que também existem alunos deslocados que nem direito a essa bolsa têm.

Também existe uma bolsa de mobilidade, mas é apenas oferecida aos alunos que vão para o interior do país. Não acha que nós também deveríamos ter direito? Quer dizer, é porque nós saímos de casa sem ter outra opção, pois nas nossas ilhas não existem universidades, apenas em S.Miguel (o que obrigaria a maioria a se deslocar de qualquer maneira, sendo que os voos entre ilhas ainda são mais caros) e um pólo na Terceira, sendo que nestas não existem todos os cursos disponíveis. Não existe o curso de Direito, por exemplo, portanto eu fui forçada a sair de casa para poder estudar, mas não tenho direito a qualquer tipo de apoio, e como o bom português diz, agora os meus pais que se “aguentem à bronca.”

Agora o que dizer quanto às faculdades? Exames dia 2 de Janeiro? Bora lá, não precisam de passar a passagem de ano com as vossas famílias. Será que lhes custava assim tanto adiar um pouco o calendário? É claro que todos passam pela chatice de ter que estudar durante as férias de Natal, mas os estudantes açorianos estão meses sem ir a casa, sem estarem com os que mais gostam, e depois são obrigados a estar todo esse tempo com a cabeça enfiada nos livros, e obrigados a sair de casa mais cedo para conseguirem fazer o exame se o avião não passar. E o que acontece se o avião não passar? Nada. Eles não querem saber. “Não vieste, paciência, azar o teu!”. Fazem aulas de dúvidas, correção de exames e revisão de notas durante as férias quando os alunos não estão presentes.

Não sei, às vezes sinto-me abandonada pelo sistema, pelo país, e que ninguém quer saber de nós. Mas eu quero, eu quero fazer a diferença.

É muito difícil sair de casa para a “cidade grande” para podermos ser alguém na vida, é difícil deixar os que mais gostamos para trás, o crescimento da irmã que aprendeu a ler na minha ausência, o avô que faleceu e ele não pôde estar lá, o aniversário do melhor amigo e a comunhão do primo. E cada vez que voltamos a casa, e sentimos que é lá que somos amados, é mais difícil de voltar para nos deparamos com todas estas adversidades. Era bom ter uma ajuda.

Esta é a minha história, com diferenças das dos restantes certamente, mas também com muitas semelhanças, vai ajudar-me a partilhá-la?

Escrito por Mariline Silva

3 comentários:

  1. infelizmente é tudo verdades e o que acontece a todos os açorianos que querem ser alguém na vida têm que passar por tudo isto

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  2. Na Madeira ainda é pior. Na maior parte do ano as viagens andam acima dos €400 e se for na época de natal, aí nem se fala... Estamos todos entregues á bicharada...

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  3. Embora essas verdades cruas sejam relativamente leves a outras com grande impacto a massas sociais, não deixam de merecer exposição para se alcançar o melhor possível, senão para nós mas para os que vêm atrás. Assim lutaram os nossos antepassados para que nós pudéssemos usufruir. “seja a mudança que você quer ver no mundo”

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