terça-feira, 8 de janeiro de 2019

BREVE DICIONÁRIO DOS FALARES AÇORIANOS

Foto de Paulino Pavão
Crónica de João Gago da Câmara na Visão

Um açoriano da Terceira, do Faial, ou mesmo um continental que visita a vila de Rabo de Peixe, em São Miguel, poderá ouvir: “É, rapá do caiá, pega naquela bou de tratô e ala candá pá iá”

São nove as ilhas açorianas, mas na região insular são múltiplas as variantes linguísticas com os seus regionalismos e sotaques próprios. Por exemplo, só na ilha do Pico, a denominada ilha montanha, foram detetadas mais de quarenta pronúncias diferentes. Os sotaques terão vindo pelos colonizadores do continente português para os Açores das diferentes regiões do país mas “agudizaram-se” localmente. Segundo especialistas, os continentais do sul terão influenciado o sotaque da ilha de São Miguel, a oriente, e os do norte os das ilhas do grupo central: Terceira, São Jorge, Graciosa e Pico, tendo sido o Faial alegadamente afetado pelo centro, muito provavelmente pela região de Coimbra e arredores.

Um açoriano da Terceira, do Faial, ou mesmo um continental que visita a vila de Rabo de Peixe, em São Miguel, poderá ouvir: “É rapá do caiá, pega naquela bou de tratô e ala candá pá iá”, e dificilmente entenderá que aquele “rapexim”, como em gracejo nos Açores usualmente se designa um habitante de Rabo de Peixe, quis dizer: ei, rapaz do calhau, pega naquela bóia (pneu usado como bóia) de trator e põe-te a andar para a água.

Fazendo 180 graus e direcionando-nos em sentido contrário, um açoriano de São Miguel que vai à Terceira e ouve uma mulher da Feteira dizer que é “um poupo” quando o marido não quer jantar contrariado porque o seu clube de futebol perdeu, não percebe que ela quer dizer que é uma poupança” o homem não ter comido. Durante um jogo de futebol poderá também ouvir que a bola está “pinxando”, o mesmo é dizer que a bola está pulando, ou que aquele não tem “apanhadeiras”, querendo a expressão significar que aquele não compreende as conversas. Esse micaelense, ou continental, poderá ainda ouvir expressões como “não tem tafulho”, significando a expressão que não tem solução, “vais-te sumir” em vez de vais-te perder, ou maroiço”, que quer dizer parede larga de pedra. Durante o inverno, ouvirá no interior da ruralidade terceirense que “o tempo está da porta” quando o vento está do quadrante leste.

Na ilha do Pico poder-se-á ouvir os marinheiros e pescadores dizerem que o mar está “rófe”, querendo isso significar que o mar está muito bravo. “Rófe é uma corruptela de “rough”.


Um dia, eu e uns amigos, todos a estudar em Lisboa e arredores, fomos buscar outro amigo ao aeroporto que chegara de Ponta Delgada para ingressar no serviço militar e que falava tão cerrado e rápido que de todo o grupo apenas poucos percebiam algumas palavras. Com ele a falar sempre fora assim. O rapaz gesticulava muito com os braços e com as mãos e era pelos gestos que íamos “apanhando” qualquer coisa. Imagine-se então um lisboeta! No metro todos se riam ao ouvi-lo falar e quanto mais se riam mais ele tirava partido da situação e mais acentuava a pronúncia falando muito mais cerrado e rápido … e mais se riam os presentes. Digamos ter sido uma cena tipo teatro de revista no underground da capital com uma carruagem quase toda a rir. O homem fazia show. Lembro-me que dizia: “ Ei, foguetabrase, ma qués burre?! Ê tou falande japenês ou quê pa te tás a ri quemum atulêmáde?!”, querendo dizer: Ei fogo te abrase, parece que és burro?! Eu estou falando japonês ou quê para te estares a rir como um tolo? … e mais se ria “o metro” daquele jovem informal cheio de gesticulações, olhares e rires malandros, que, despudorado mas gracioso, atuava para os circunstantes provando que o mar e a distância promovem diferenças.

Se vier aos Açores, por exemplo à Terceira, num mês de verão, que é tempo de corridas de toiros, eventualmente poderá ter a sorte de presenciar um desentendimento entre dois terceirenses acalorados pela cerveja da festa e um a responder à provocação do outro: “Ôei hóme, touros e gente tola paredes altas!” São estas expressões com gracejos e sotaques carregados vindos de montes e vales ilhéus que, para além das paisagens idílicas, cativam e apaixonam quem de fora se aventura a penetrar o arquipélago profundo.

Venha daí, veja, conheça, ouça e delicie-se!

in visao.sapo.pt

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