sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Faial: um pé na tradição, outro na modernidade



A exuberante natureza açoriana tem-se, aos poucos, transformado na maior atração da ilha do Faial, que, com um pé na tradição e outro na modernidade, se tem assumido como um destino de excelência no arquipélago.
Chegue-se por mar ou pelo ar, há um ritual obrigatório, ao qual é impossível fugir, mal se entra na Horta, entrar no Peter Café Sport, pedir um gin e, se o tempo o permitir, o que nos Açores nunca se sabe, ir até à esplanada apreciar a vista para a vizinha montanha do Pico, ali mesmo em frente. Fez 100 anos em 2018 que o avô do atual proprietário, José Henrique Azevedo, abriu as portas deste lendário estabelecimento, tornado mundialmente famoso a partir da década de 60 do século XX, quando a ilha passou a ser um ponto de paragem obrigatório para as tripulações de veleiros de recreio de todo o mundo, durante as travessias do Atlântico.

Além de bar e restaurante, a casa funcionava então também como posto de correio para os solitários marinheiros e ainda hoje permanecem por lá algumas caixas com correspondência por entregar. José, hoje com 58 anos, tinha apenas seis quando começou a frequentar o estabelecimento do avô, no qual trabalha desde o final dos anos 70 e que mais tarde herdou do pai, cumprindo assim a tradição familiar. Foi por sua iniciativa que, em 1986, nasceu, no piso superior do bar, o Museu do Peter, dedicado ao Scrimswaw, a arte de esculpir os dentes e ossos de baleia, que é, ao mesmo tempo um testemunho único da importância destes animais na história da ilha.



O Peter Café Sport foi aliás a primeira empresa na ilha a apostar na observação de baleias, uma atividade que atrai cada vez mais visitantes ao Faial. «Há que inovar as tradições, adaptando-as aos novos tempos», diz o empresário, que é também sócio do restaurante Praya, aberto no ano passado na praia do Almoxarife, a cerca de 5 quilómetros da Horta.

O projeto de recuperação deste velho armazém, situado no final do paredão da praia de Almoxarife, vale por si só uma visita ao restaurante, que em pouco tempo se afirmou pela diferença e pela originalidade da ementa, criada por Luís Baena e confecionada no local pela chef Diana Canastra, uma minhota de 32 anos, natural de Viana do Castelo, que nunca antes tinha estado nos Açores. «É verdade, foi a primeira vez e se calhar é para ficar de vez, pois estou a adorar a experiência», diz Diana, que se apaixonou também pelos produtos locais, «em especial pelo peixe, tão diferente daquele a que estamos habituados no continente».

No Praya, revela, o conceito é «mais de partilha», daí a aposta nos petiscos e em pratos mais pequenos, como as lulas fritas com molho ou tártaro o tutano de vaca açoriana servidos de entrada, este último comido no osso, com uma colher pequena. Mas também há pratos de maior substância, como a recriação do famoso polvo à lagareiro, que entretanto chega à mesa, os peixes do dia ou os famosos bifes, confecionados de diversas formas. Para concluir, o melhor é aceitar a sugestão da chef e provar uma das mais famosas sobremesas da casa, o leite-creme de chá preto.


Um gastrobar na Horta
A recriação, de uma forma contemporânea, dos sabores açorianos serviu também de mote ao Príncipe, um gastrobar aberto na Horta há pouco mais de um ano, pelo empresário russo Pável Kisilev, que já antes inaugurara na vizinha ilha do Pico o muito elogiado restaurante Casa Âncora. O conceito, como explica o chefe de sala Hernâni Furtado, é em tudo idêntico ao restaurante irmão do Pico, “tanto na informalidade como na aposta em produtos locais”, depois tratados pelo chefe eslovaco Stepen Daldík “com criatividade e respeito”. Na carta, sobressaem propostas como a Salada mar adentro (polvo, repolho, ananás, caviar e algas), o peixe com coco, um dos pratos de assinatura da casa, confecionado com peixe fresco do dia, puré de coco, bacon, romã, meloa, noz e óleo verde ou o Atributo Chá Açoriano, uma original sobremesa composta por uma tarte de chá preto com creme de chá verde e laranja.

Quem preferir, no entanto, sabores mais tradicionais, também tem por onde escolher. É o caso do Atlético, um restaurante recentemente remodelado e que se tem afirmado como um verdadeiro templo dos bons sabores regionais dos Açores. O conceito é simples e passa apenas por valorizar as carnes e o peixe fresco da ilha, que aqui pouco mais necessitam que uma breve passagem pelas brasas. E mesmo em frente à praia de Porto Pim, também na Horta, o restaurante Genuíno é outro local onde nova paragem se impõe. Pela comida, mas também pela história que tem por trás.

O seu proprietário, Genuíno Madruga, 67 anos, é um antigo pescador local e conhecido velejador, que por duas vezes deu a volta ao mundo em solitário. «Comecei a pescar quando tinha 12 anos, num barco a remos feito por mim», recorda à entrada do restaurante, onde um enorme mapa-mundo recorda as suas viagens de circum-navegação. Apesar de a faina ter sido sempre a sua vida, os velejadores solitários que ia conhecendo na Horta alimentaram-lhe o sonho de um dia vir também a ser um deles.

Conseguiu-o em 2002, ao completar a volta ao mundo iniciada dois anos antes, a bordo do veleiro Hemingway. Repetiria a aventura entre 2007 e 2009, quando se tornou no primeiro português (e o décimo navegador a nível mundial) a cruzar o Cabo Horn, o ponto mais meridional da América do Sul. Muitas das recordações dessas viagens, que lhe valeram o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, atribuído pelo presidente da República Jorge Sampaio, decoram hoje o restaurante, aberto há 4 anos e onde faz questão de servir «apenas o nosso melhor peixe».




Entre vulcões e baleias
A primeira grande erupção, que originou a formação da ilha do Faial, deu-se há cerca de 800 mil anos, no local hoje conhecido como Porto da Boca da Ribeira. Aqui, junto ao nível do mar, tem início a Grande Rota Pedestre Faial Costa a Costa, que cruza o Faial de leste a oeste, ao longo de 36 quilómetros, acompanhando a evolução geológica da ilha ao longo de cones vulcânicos, crateras, furnas e algares, desde a erupção mais antiga até à mais recente, ocorrida nos Capelinhos há apenas 60 anos. Aí, o Centro Interpretativo do Vulcão dos Capelinhos é outro dos locais de visita obrigatória nesta ilha.

Foi inaugurado em 2008 e é hoje o museu mais visitado no arquipélago dos Açores. O arrojado edifício, da autoria do arquiteto Nuno Lopes, fica situado nos pisos térreos do antigo farol, hoje totalmente soterrados pelas cinzas então projetadas, e é composto por vários espaços visitáveis – incluindo a torre do velho farol –, permitindo reviver, de forma interativa, os fenómenos geológicos que levaram à formação destas ilhas. O último aconteceu em 1998, “O grande sismo”, como por aqui ainda é lembrado, é também um marco na vida de Victor Hucke e Anja Tettenborn, 52 e 51 anos. Quando aqui chegaram, em meados dos anos 90, já tinham corrido meio mundo, mas, como recorda Victor, «Foi amor à primeira vista». E também não foi difícil convencer a mulher a mudar-se para a Ilha do Faial. Já então, o objetivo deste casal alemão era dedicar-se ao turismo, mas o tal “grande sismo” haveria por lhes trocar as voltas, arrasando quase por completo a casa que entretanto haviam adquirido e começado a recuperar.

«Era mais fácil ter feito as malas e partir, mas não podíamos desistir assim do nosso paraíso», recorda Victor, que hoje já se considera um verdadeiro açoriano – ou melhor, faialense. Há alguns anos, decidiram transformar em negócio outra das suas paixões, a equitação, com a abertura do Pátio Horse & Lodge, uma empresa de passeios e férias a cavalo nas ilhas do Faial e do Pico, que é atualmente a maior operadora de equitação turística nos Açores. Entretanto, alargaram também a oferta ao alojamento. O Lodge, assim se chama, fica situado na zona rural dos cedros, na costa norte do faial, e é composto por quatro quartos e um apartamento, onde o design contemporâneo se mescla com a tradição da ilha, presente nos móveis de madeira de cryptomeria ou nos lavabos em basalto vulcânico.

É também nos Cedros, que Martins “Vigia” mantém viva uma das tradições mais presentes na memória coletiva desta ilha, perscrutando o imenso oceano à sua frente, à procura de baleias. Apesar de já terem passado mais de 30 anos sobre a proibição da caça aos cetáceos, a tradição baleeira mantém-se viva no Faial. No velho posto de vigia, os olhos de Martins mantêm-se bem atentos, à procura das baleias na vastidão do oceano, mas já não para as caçar, mas apenas para as ver de perto. Hoje, como antigamente, as baleias continuam a ser uma fonte de rendimento para o Faial, agora fomentada pelos milhares de visitantes que chegam de todo o mundo para navegar lado a lado com estes enormes cetáceos.

«Os vigias continuam a ser a peça central desta atividade. Sem os seus olhos experientes e sem as suas indicações nada disto seria possível», reconhece Pedro Filipe, um dos sócios da empresa Azores Experience. Atualmente com 36 anos, Martins era uma criança, quando a caça foi proibida, mas aprendeu o ofício com quem o sabia, “o lendário sr. Vargas”. Esteve quase a desistir, sem saber que aqueles repuxos que conseguia identificar como ninguém, no meio do mar, faziam dele um vigia de exceção. «Isso é uma baleia», disse-lhe o mestre, no dia em que estava decidido a desistir. «Eram os bufos, via muitos, mas não sabia o que eram», diz Martins, que hoje reconhece as várias espécies de baleias apenas pelo bufo. A importância da caça à baleia na ilha está bem patente na antiga Fábrica da Baleia, em Porto Pim, hoje transformada num moderno centro interpretativo desta atividade, onde está exposto o esqueleto completo de um cachalote, que há alguns anos deu à costa no Faial.

A aprazível baía de origem vulcânica de Porto Pim, com cerca de 350 metros, é o principal centro balnear da ilha, onde mesmo no outono é comum ver gente a nadar e a mergulhar. É esta a vista que se tem do Porto Pim Bay, um alojamento local inaugurado o ano passado, composto por cinco apartamentos distribuídos à volta de dois pátios e um jardim com plantas aromáticas, à disposição dos hóspedes para um chá fresco ou simples uso culinário. As habitações destacam-se não só pela localização privilegiada, mas também pela “matéria-prima sustentável e certificada” usada na construção, como a madeira de criptoméria dos Açores. Os hóspedes têm ainda ao dispor bicicletas e caiaques sem custos adicionais, que podem usar para explorar a praia mesmo à porta de casa, mesmo em frente a um dos mais bonitos pôr-do-sol dos Açores.

«Queremos que quem nos visita perceba a sorte que temos em viver aqui», refere a proprietária, Rosa Dart, 42 anos. Foi mais ou menos este mesmo sentimento que fez regressar do Porto o antigo bailarino Pedro Rosa, 35 anos. Isso e a insistência da mulher, a professora de música Antónia Reis, 38 anos. Vieram, literalmente, desbravar um sonho antigo. Num terreno da família dele, onde eram cultivadas palmeiras e bananeiras, abriram há pouco menos de um ano o Azul Singular, o primeiro espaço de glamping dos Açores, composto por oito unidades de alojamento, entre yurts (tendas tradicionais da Mongólia) e as batizadas Ata-Desata, umas tendas híbridas pensadas e construídas de raiz para este projeto.

O terreno, com cerca de 5 mil metros quadrados e situado a apenas 4 quilómetros da Horta, permaneceu intocado ao longo de quase três décadas, resultando numa autêntica floresta de palmeiras. Demoraram meses a limpar o terreno, para permitir encaixar as tendas na floresta, sem recurso a máquinas e a uma distância de 30 a 40 metros entre si. O empreendimento conta ainda com um a área comum, a casa de vidro, onde os hóspedes podem relaxar no terraço, com vista para o mar.
É também com o oceano como pano de fundo que Filipe Ávila, criou uma oferta, no mínimo, original: um «campo de golfe rústico». Filipe, 38 anos, que, entre outras atividades, também organiza passeios pedestres, de bicicleta e em jipe pela ilha, aproveitou uma “pastagem em modo biológico” para fazer um circuito de pitch and putt, equipado com um moderno clubhouse em madeira e alimentado a energia solar e eólica, onde nem sequer falta um restaurante. «Devemos ser o campo de golfe mais ecológico do mundo. A rega é feita com a água da ribeira, a corta da relva é utilizada para alimentar o gado e a maioria dos ingredientes servidos no restaurante são de produção própria».

in evasoes.pt

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