sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Onze empresas e agência da Índia querem investir na base espacial dos Açores



Portugal apresentou no Congresso Internacional de Astronáutica em Bremen, na Alemanha, o projeto e o concurso para a instalação de uma base de lançamento de pequenos satélites em Malbusca, na ilha de Santa Maria. A base poderá custar 60 milhões de euros

Pelo menos 11 empresas e a agência espacial da Índia (ISRO) já manifestaram o seu interesse no concurso público internacional para a conceção, instalação e operação de uma base espacial em Malbusca, na ilha de Santa Maria, no Açores, soube o Expresso no Congresso Internacional de Astronáutica em Bremen (Alemanha).

Os interessados incluem algumas das maiores empresas espaciais do mundo como a OHB, a maior da Alemanha (1000 milhões de euros de vendas anuais) e a americana Northrop Grumman. As portuguesas Lusospace, CEIIA (Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto), Omnidea/RTG, Deimos Engenharia (do grupo espanhol Elecnor Deimos) e Edisoft (do grupo francês Thales) também vão concorrer, tal como a britânica Orbex (onde a Deimos é um dos acionistas) a italiana Avio e a espanhola PLD.

O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior confirmou aos jornalistas portugueses em Bremen a participação destas empresas e da ISRO no concurso internacional, que foi apresentado publicamente por Manuel Heitor num auditório com um nome curioso – CCB – onde estavam mais de cem representantes de empresas e agências espaciais de todo o mundo, bem como jornalistas dos principais media da área do Espaço. Manuel Heitor estava acompanhado por Paulo Ferrão, presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e por Francisco Wallenstein, da Estrutura de Missão dos Açores para o Espaço (EMA-Space).

Manuel Heitor disse nesta apresentação que a ilha de Santa Maria apresentava vantagens únicas na Europa para a instalação de um base espacial para pequenos lançadores (foguetões) e pequenos satélites, um mercado emergente a nível mundial: a sua localização estratégica a meio do Atlântico, entre a Europa, a América e África, permitindo trajetórias de lançamento sobre o mar sem obstáculos ou zonas povoadas, para órbitas polares e heliossíncronas (que acompanham a luz do Sol), que são as de maior interesse comercial; a maior proximidade ao Equador relativamente aos projetos europeus concorrentes (Escócia, Suécia, Noruega), o que permite poupanças de energia nos lançamentos; o clima (Santa Maria é a única ilha dos Açores com clima mediterrânico); e os incentivos ao investimento existentes ou que vão ser criados.

SANTA MARIA TEM CONDIÇÕES MUITO COMPETITIVAS...

Nuno Ávila, diretor-geral da Deimos Engenharia, uma das empresas interessada no concurso internacional, que fez também o último estudo sobre a viabilidade técnica e económica de um porto espacial na ilha de Santa Maria, sublinha que "Malbusca tem condições muito competitivas para receber a base". O estudo, que resultou de um concurso lançado pela Agência Espacial Europeia (ESA), tem cerca de mil páginas e analisa em detalhe "como fazer a sua operação com todas as condições de segurança", mas é confidencial, por causa da concorrência. "Vamos concorrer à base de Santa Maria com a empresa britânica Orbex, onde temos uma participação estratégica desde o início do verão, e que já foi nossa parceira neste estudo", revela o gestor. E pode haver ainda mais empresas nacionais ou internacionais associadas à Deimos.



O clima mediterrânico de Santa Maria é uma das muitas vantagens competitivas da ilha em relação a outros projetos europeus (Escócia, Suécia e Noruega) de bases espaciais para o lançamento de pequenos satélites

ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

Malbusca tem condições para lançamentos verticais, mas a ilha de Santa Maria já possui infraestruturas para os chamados lançamentos horizontais, em que os foguetões são transportados inicialmente por aviões e depois largados a um certa altitude. O aeroporto de ilha foi construído pelos americanos a seguir à Segunda Guerra Mundial mas acabou por ser abandonado, porque os EUA preferiram instalar uma base áerea nas Lajes, na ilha Terceira. Mas ficou em Santa Maria uma infraestrutura de grande porte, com três pistas, tendo a maior mais de 3000 metros de extensão, que é hoje usada não apenas para as ligações aéreas da ilha mas também para escalas técnicas de grandes aviões de carga. Por outro lado, o controlo do tráfego aéreo do Atlântico norte é feito pelas infraestruturas da NAV Portugal em Santa Maria, "o que é uma vantagem competitiva inegável em relação à Escócia e aos outros projetos europeus", reconhece Nuno Ávila.

No estudo inicial feito pela Universidade do Texas em Austin (EUA), que tem um programa de cooperação com Portugal, o custo estimado da base era de 100 a 200 milhões de euros, mas Manuel Heitor já disse que a base poderá custar menos de 60 milhões de euros. E antevê mesmo que até ao arranque da sua construção "este valor poderá baixar ainda mais, devido à rápida evolução tecnológica que está a acontecer no setor emergente dos pequenos lançadores e satélites". Nuno Ávila estima que "o investimento na plataforma de lançamento e nas suas infraestruturas atinja cerca de 10 a 15 milhões de euros". Os 60 milhões referidos pelo ministro da Ciência "incluem também os custos de desenvolvimento dos lançadores" (foguetões). O gestor admite que a base possa fazer 12 lançamentos por ano, "mais concentrados no verão, por causa da meteorologia". Uma base concorrente na Escócia "faria menos 30% dos lançamentos de Santa Maria, precisamente por causa do clima mais desfavorável".
...E PERMITE LANÇAMENTOS TODO O ANO

Malbusca "permite lançamentos o ano todo e fica em pleno oceano Atântico, o que faz com que esses lançamentos possam ser feitos em particular para sul e atingir todas as órbitas comercialmente úteis, as polares e as heliossíncronas, as mais importantes relacionadas com todos os satélites de observação da Terra". São órbitas baixas, que vão dos 400 aos 700 km de altitude, onde está a Estação Espacial Internacional (ISS).

"Na Europa não existem muitos locais para fazer este tipo de lançamentos", assinala Nuno Ávila. "A Europa tem um porto espacial para grandes lançadores e satélites em Kourou, na Guiana Francesa, que está muito perto do Equador, porque esse era o objetivo principal para servir o mercado dos satélites de telecomunicações, associado às órbitas geoestacionárias"(36.000 km de altitude). Só que a tendência atual é para as telecomunicações "passarem a ser feitas por constelações de satélites muito mais pequenos e baratos em órbitas baixas". Ou seja, "passamos a ter um mercado muito maior para satélites de órbitas baixas e de pequenas dimensões, o que significa uma necessidade muito maior de lançamentos". Por isso justifica-se que exista um mercado nascente de pequenos lançadores.

As oportunidades para países como Portugal acabam por ser, assim, muito relevantes, até porque há projetos concorrentes na Suécia e na Noruega que se deparam com condições climáticas extremas muito desfavoráveis e trajetórias dos lançadores que passam por cima de regiões povoadas. Quanto à futura base na Escócia, "também teria problemas de custos acrescidos nos lançamentos, porque as ilhas Faroe estão muito perto, o que obrigaria a alterar a trajetória de um foguetão em voo, ou seja, a gastar mais combustível". E transportar mais combustível significa "levar menos carga para o Espaço".

Há um caso extremo a nível mundial, a Índia, que para conseguir colocar satélites em órbita geoestacionária tem de fazer uma grande manobra para evitar a passagem das trajetórias pelo Sri Lanka (21 milhões de habitantes), perdendo 30% da capacidade de carga por causa do transporte de mais combustível. É por isso que a agência espacial indiana (ISRO) está interessada em investir no projeto do porto espacial de Santa Maria.

Fonte: Expresso

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