segunda-feira, 30 de julho de 2018

Novas espécies nos Açores: as incríveis descobertas da mais recente expedição


A Fundação Oceano Azul esteve nos Açores durante 20 dias e das 500 horas de mergulho há novas descobertas. Umas boas, outras nem tanto: plástico a profundidades nunca pensadas


O que são 500 metros? Está a ver a Torre Eiffel? Agora pense em algo maior. O que procuramos está mais perto do arranha-céus chinês de 101 andares, o Taipei, em Taiwan, que tem 508 metros. Imagine essa distância em profundidade e que lá no fundo do mar se encontra algo improvável: plástico. Foi o que descobriu a Expedição Oceano Azul nos Açores. Durante 20 dias, percorreram 650 milhas, entre os grupos central e ocidental do arquipélago. A Fundação Oceano Azul, em parceria com a organização de proteção dos oceanos, Waitt Foundation, e a National Geographic Pristine Seas, passaram 500 horas debaixo de água e fizeram 611 mergulhos. A expedição correu tão bem que a National Geographic vai fazer um documentário. Emanuel Gonçalves, líder desta expedição, conta a importância deste trabalho de campo. “Foi uma parceira entre várias entidades, com uma coordenação científica portuguesa e com meios nacionais. O carácter único desta expedição tem a ver com a abrangência e o tipo de estudos: das zonas costeiras ao oceano aberto.”

Os dias começavam às 6h e terminavam já de noite, à volta dos computadores. Foram mais de 107 locais amostrados. Tudo isto feito a partir de dois barcos portugueses, o Gago Coutinho, da Marinha, que trabalhava com o robô ROV (capaz de mergulhar nas zonas mais profundas, e que fez o mapeamento dos fundos marinhos) e o Santa Maria Manuela, ex-bacalhoeiro, onde estavam os grupos que faziam entre três a quatro mergulhos por dia para avaliar as comunidades biológicas. Que quer isso dizer? Contar e medir peixes. Emanuel Gonçalves explica melhor: “Estendia-se um cabo de 25 metros e o mergulhador media o tamanho do peixe e estimava a quantidade de animais. Assim, comparamos as zonas de proteção com as outras. Depois tínhamos outra equipa que operava as câmaras de filmar à superfície com isco (normalmente de sardinha ou a cavala), e eram largadas durante duas horas para filmar tudo o que se aproximava. Tanto podiam ser golfinhos como atuns.” A expedição permitiu ainda perceber o impacto do homem no ambiente. “Hoje gerimos ecossistemas degradados. O estado do ecossistema marinho é muito pior do que percecionamos. A sociedade ainda não percebeu isso”, diz o biólogo.



Até onde chega o plástico?

Emanuel Gonçalves revela que avistaram plástico a profundidades que se desconhecia. “Encontrámos muitas linhas de pesca perdidas, e outros utensílios de frotas de pesca, que acabam por ter impacto. Por exemplo, os fundos de corais, que são bastante sensíveis, estavam partidos e danificados a uma profundidade abaixo dos 500 metros. Desconhecia-se que as frotas provocavam alterações a uma profundidade tão grande”.

Novas espécies

São precisos vários meses para analisar as amostras recolhidas, mas a equipa acredita que foram descobertas novas espécies. “No mar profundo, acredito que encontrámos algumas novas espécies para a ciência. Ou seja, nunca antes catalogadas”, diz o biólogo marinho. Algumas delas serão corais de mar profundo.

Além disso, Emanuel Gonçalves acredita que também foram detetadas novas espécies para os Açores. Como a natureza é imprevisível também avistaram um animal fora do sítio. “Encontrámos uma raia, tipicamente dos fundos rochosos de baixa profundidade, a várias milhas da costa. Um indicador de que o comportamento animal ainda é muito desconhecido.”

O fundo do mar e os aliens

Uma das grandes descobertas, a 60 milhas da ilha do Faial, foi um novo campo hidrotermal. A 570 metros de profundidade, no Monte Submarino Gigante, encontraram uma zona muito importante do ponto de vista biológico. Porquê? “Daqui saem líquidos de alta temperatura, carregados de metais e a estes associam-se diferentes tipos de organismos como bactérias, mexilhões, camarões. Estas comunidades são únicas e têm um elevado interesse de conservação, e até nos dão pistas sobre os mecanismos na origem do planeta, acredita-se que existiriam condições semelhantes. Quando procuramos vida noutros planetas, tentamos o paralelismo com este tipo de estruturas, estes extremófilos”, explica Emanuel Gonçalves. Que organismos são estes? “São seres que se adaptam a condições extremas – pressão, temperatura, concentração de metais pesados, como níquel, ferro.” A descoberta desde novo campo hidrotermal tem tanta importância que, revela Emanuel Gonçalves, o Governo dos Açores já se comprometeu a incluí-la no Parque Marinho.



A reserva voluntária

Um sinal de que há problemas é quando os predadores – tubarões ou meros – desaparecem. E foi isso que viram em ilhas mais remotas (como Corvo e Flores) em zonas que não estão protegidas. “Nos ambientes menos profundos, junto às ilhas, sente-se o impacto humano. Esperávamos que estivessem num melhor estado de conservação. Os locais com muito pouca pressão humana são dominados por predadores de topo, tubarões e garoupas, à medida que a pressão vai crescendo eles vão desaparecendo e são substituídos por organismos que se alimentam de algas e peixes”, revela o biólogo. Mas também encontraram um bom exemplo. A reserva voluntária do Corvo – criada em 1998 por uma empresa de turismo que fez um acordo com os pescadores de que naquela zona não iriam capturar peixes, para poderem mergulhar junto deles – ainda é uma zona bem conservada. “Observámos que nas poucas zonas em que existem áreas marinhas protegidas, como a reserva voluntária do Corvo, existiam estas espécies de predadores. Logo, não será complicado recuperar estas zonas, mas com proteção efetiva.” Emanuel Gonçalves acredita que estes alertas devem conduzir as autoridades a agir, porque ainda vão a tempo de recuperar. Que medidas são essas? “Áreas marinhas protegidas e formas de pesca mais sustentáveis. Tem de existir uma co-gestão entre as comunidades piscatórias e as ONGs. Temos de alterar os mecanismos de pesca, para outros com menos impacto, e valorizar o próprio pescado. Não vale a pena fazer cuidados paliativos. É preciso medidas com escala e visão política. Caso contrário, vamos ficar sem peixe para pescar.”

in sabado.pt

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