sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Os minerais do vulcão do Fogo nos Açores by National Geographic



Na cultura popular, o momento da descoberta científica ganhou exagerada dimensão mitológica, pois quase nenhum achado produz hoje em dias ocasiões para gritar de imediato Eureka, como fez Arquimedes de Siracusa.

Na maior parte dos casos, decorre um longo período de tempo entre o trabalho de campo e a confirmação posterior da excepcionalidade da descoberta. Foi certamente o que aconteceu a uma equipa de mineralogistas italianos que, desde 2010, tem feito campanhas de prospecção na ilha açoriana de São Miguel.

Em 2009, os mineralogistas e coleccionadores Luigi Antonio Chiappino e Mauro Astolfi analisaram a literatura científica sobre a ocorrência e diversidade de minerais na ilha de São Miguel. Pasmaram com as escassas referências. “Percebemos que em São Miguel estão presentes microssienitos resultantes de erupções do vulcão do Fogo. Ora, esta rocha particular costuma conter muitos minerais de elementos químicos raros em pequenas cavidades, mas o número destes minerais descritos para São Miguel era estranhamente limitado”, comenta Chiappino. A equipa concluiu que, apesar de os Açores serem regularmente visitados por cientistas internacionais desde o século XIX, a mineralogia era ainda terreno quase virgem. Mesmo as revistas de coleccionismo mineralógico só tinham olhado para os Açores a partir de 1999. Foi por isso agendada uma viagem de prospecção.

Desde então, o grupo visitou a ilha em 11 ocasiões em campanhas devidamente autorizadas pelo Governo Regional. Em cada viagem, recolhe 200 a 400 quilogramas de rocha, posteriormente expedida para Itália para processamento e análise. “Cada fragmento é gradualmente reduzido à dimensão de 1 centímetro, ou até menor, para manipulação no microscópio de todas as geodes susceptíveis de conterem pequenos cristais”, conta o especialista italiano. Trata-se de um trabalho paciente de triagem. As amostras mais promissoras são depois enviadas para o Museu de Ciências Naturais de Los Angeles onde o especialista Anthony Kampf concretiza a determinação química.



O vulcão do Fogo foi definido rapidamente como a área prioritária de prospecção. Trata-se de um complexo vulcânico activo que expele vários tipos de rochas magmáticas, entre as quais os valiosos sienitos com microcristais, juntamente com as pedra-pomes, as bagacinas e as cinzas.

O grupo italiano encontrou no Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores (OVGA) um parceiro para apoiar as campanhas no terreno e desvendar alguns dos recantos mais promissores de São Miguel. “A colaboração com o OVGA possibilitou um salto notável de qualidade”, diz Luigi Chiappino. “Possibilitou-nos conhecimento das ilhas, encorajamento e apoio no trabalho de campo e, em troca, retribuímos com o nosso entusiasmo, o trabalho e os nossos contactos com a comunidade científica internacional. Nasceu igualmente uma profunda amizade e hoje, quando passam meses de ausência, julgo que já percebemos o significado da palavra ‘saudade’.”

O vulcanólogo Victor Hugo Forjaz, presidente do OVGA, constata que o conhecimento mineralógico dos Açores “era muito insuficiente antes destas publicações recentes. Aliás, persiste a desconfiança de que haverá ainda muito mais por descobrir, pois este grupo apenas trabalhou na área do vulcão do Fogo”. Complexo vulcânico recente, o Fogo é especial precisamente pelos sienitos que resultam de uma diferenciação do magma traquítico, capaz de concentrar nas margens da câmara magmática os produtos menos densos da actividade. São essas áreas que permitem “uma rica e peculiar associação de minerais”, explica o grupo italiano num dos artigos. “A elevada concentração de fluidos favoreceu a preservação de inúmeras cavidades minúsculas que permitem à maioria dos minerais emergirem em formas bem cristalizadas.”

Embora todos os estratos em redor do vulcão sejam potencialmente ricos, o grupo concentrou-se numa pequena saibreira em Lombadas, correspondente às camadas do antigo fluxo da Ribeira Grande trazidas à superfície. Numa área de dois a três quilómetros, analisaram várias toneladas de materiais ao longo das campanhas, repetindo gestos e procurando os sienitos não compactos e portanto com vácuolos ou orifícios de cristalização. No terreno, uma pequena lente ajudava a reconhecer alguns minerais coloridos, pois o grupo procurou os minerais-guia (os sienitos que contêm cristais laranja da astrofilite ou lamelas metálicas negras que correspondem a minerais mais raros). A maior parte das descobertas, porém, foi efectivamente concretizada em Itália, já em laboratório.





“Como alguns cristais medem entre 0,2 e 0,3 milímetros, foram necessárias ampliações de 40 a 60 vezes”, diz Luigi Chiappino. E foi em laboratório que o grupo de investigação começou a constatar que as campanhas em São Miguel revolucionavam o que se sabia nesta matéria nos Açores: “Descobrimos 38 minerais que anteriormente não se conheciam nos Açores, vários dos quais novos para a mineralogia portuguesa”, diz Luigi Chiappino. “E identificámos dois novos minerais a nível mundial.”

Logo na primeira viagem, a equipa identificou o mineral agora conhecido como fogoíte, em honra do vulcão do Fogo. “Infelizmente, o nosso estudo demorou tanto tempo que a publicação acabou por ser precedida por uma outra baseada em amostras fornecidas pelo coleccionador francês Carpentier”, diz Chiappino. Com fair play, o mineralogista reconhece: “Não podemos ser creditados por essa descoberta.”

Todavia, um achado ainda mais importante estava na calha. No curso da Ribeira Grande em Agosto de 2013, foi detectado um projéctil vulcânico da dimensão de uma toranja que continha os 28 pequenos cristais de um novo mineral. Analisados os cristais, verificou-se a sua natureza hialina incolor, não fluorescente e não pleocróica (a capacidade de alguns minerais numa rocha registarem diferentes cores quando observados sob diferentes ângulos ao microscópio). Trata-se de um dos poucos minerais conhecidos na natureza que contêm manganês e terras raras. O grupo designou-o como chiappinoite. Uma velha ambição açoriana ganhava finalmente dimensão.



Desde o século XIX que se conhecem os sienitos de São Miguel. Nas primeiras décadas de oitocentos, geólogos britânicos percorreram as ilhas e levaram para o Museu de História Natural de Londres exemplares de piroclastos e outros materiais, embora nunca os estudassem. Ali permaneceram sem descrição. Na segunda metade do século, o alemão George Hartung, notável naturalista, analisou pormenorizadamente tudo o que viu em São Miguel. Deve-se-lhe o primeiro estudo mineralógico da região, naturalmente com lacunas. Antes, já Teschenmacher, em 1847, publicara a notícia de um mineral encontrado em São Miguel que designou como açorite, considerando (erradamente) que seria uma espécie nova para a ciência.

A notícia deu alento aos naturalistas açorianos. O eminente Alfredo Bensaúde, que mais tarde foi decisivo para a fundação do Instituto Superior Técnico, lançou-se ao terreno. No Verão de 1882, recolheu “amostras de cristais de pequenas cavidades de uma rocha traquítica”, como notou no artigo de retrospectiva que publicou sobre o assunto em 1938. “Não teve sorte”, comenta Victor Hugo Forjaz. “A açorite viria a revelar-se semelhante ao zircão e foi esse o nome que vingou na comunidade científica internacional, impedindo a região de obter essa celebridade.”

Quase ao mesmo tempo, outro mineralogista de Ponta Delgada, Eugénio Pacheco, publicou em França a descrição de um mineral microscópico vermelho a que chamou igualmente açorite. Uma vez mais, o processo não foi validado internacionalmente e o ilustre mineralogista viria mais tarde a envolver-se ferozmente na causa republicana e autonomista, abandonando a pesquisa naturalista.





“À terceira, foi de facto de vez”, brinca Victor Hugo Forjaz. “A consagração da região aconteceu agora com esta dupla descoberta, para além do grande salto de conhecimento que esta equipa proporcionou. São nanominerais, mas valem por ser curiosidades químicas da natureza, formadas a cinco ou seis quilómetros de profundidade e expelidas por erupções plinianas.”

Por vezes, a realidade imita a ficção. Na famosa aventura de banda desenhada “O Enigma da Atlântida” de Edgar Jacobs, os heróis Blake e Mortimer penetram nas profundezas da ilha de São Miguel e vêm a descobrir, não no Fogo, mas na área das Sete Cidades uma civilização perdida, dotada de vastos poderes conferidos… por um mineral ali encontrado e único no planeta! Estas descobertas são um delicioso remate dessa famosa aventura ficcional.

Os primeiros artigos da equipa de Luigi Chiappino e Mauro Astolfi foram publicados em revistas científicas italianas e alemãs e tiveram o condão de estimular a comunidade de coleccionismo mineralógico para este território virgem. “Em cada viagem, descobrimos novas espécies, o que sugere que ainda há muito por descobrir. E também há notícias de sienitos na Terceira, já não para falar de áreas promissoras no Pico e em São Jorge, ilhas ricas em jazidas mineralógicas ligadas a este tipo de vulcanismo”, acrescenta Chiappino.

Os estudos agora em curso representam um salto no conhecimento puro sobre a natureza dos Açores e não têm necessariamente implicações imediatas para a indústria. “Nunca se sabe”, conclui Luigi Chiappino. “A radioactividade resultou dos estudos de Madame Curie com os minerais do urânio e as suas características, tal como as aplicações modernas da electrónica devem-se ao estudo de alguns elementos no campo dos semicondutores. Para nós, no campo, basta-nos saber que encontrámos uma estrutura única e nova na natureza.”

in nationalgeographic.sapo.pt

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