"Não existe fotografia ou filmagem que mostre o que se passou naqueles minutos dentro do barco…
Todos os dias faço a viagem, às vezes 2 viagens por dia e hoje não foi excepção!
Depois de fazer noite no hospital da Horta, sempre contra relógio, apanhei o barco para regressar a casa. A viagem estava a ser boa quando de repente, nas manobras da (tao famosa) entrada da Madalena, fomos apanhados por uma onda… E as rochas cada vez mais perto. Toda agente muito confiante mas, o inevitável aconteceu e o barco embateu nas rochas! As pessoas e a tripulação ficaram surpresas dentro do barco mas por incrível ficaram calmas... As perguntas começavam, «o que aconteceu? E agora?» Tudo olhava para a janela para perceber o que realmente estava a acontecer…. E o pior estava a começar a acontecer! Começaram as vagas e aí sim, não consigo descrever concretamente o que senti. Mas na minha cabeça tudo o que estava a acontecer eu já tinha visto em algum filme, mas agora vivia na primeira pessoa. O som do casco a rasgar nas rochas enquanto começou a baloiçar… O barco baloiçava para a direita, tudo caía para a direita, pessoas a escorregar, miúdos a gritar, o terror nos olhos da população e da tripulação, ninguém estava a perceber o que estava a acontecer… Os marinheiros claramente estavam a fazer um apanhado das medidas de evacuação que têm praticado ao longo dos anos para por em prática, mas desta vez, era mesmo de verdade! Aí começa o mestre a falar ao altifalante, que estava connosco para ter calma e para vestir o colete… «Vestir colete?» Aos anos que viajo neste barco e nem sabia onde estavam os coletes de salvação. Eu olhava para cima, mas acho que muita gente ficou com a mesma dúvida, e lá no meio dos gritos uma voz dizia «os coletes estão por baixo do banco». Mal conseguia desprender, aquela mola era tao dura e a força estava não sei bem onde… Nas pernas, nos braços, agarrada as costas do banco para me manter em segurança, confesso que achei que hoje não saía dali viva…
Vi os marinheiros que se encontravam ali ao pé, o olhar deles, o terror, mas ao mesmo tempo vi a calma e a força ou dever de se porem em segurança e dar apoio a quem precisava.
“ Seja o que Deus quiser”
Aqueles minutos pareciam eternidades, e o que se podia fazer dentro do barco foi feito, mas aquela espera era desesperante... Mais uma vaga, mais aquele som do casco na rocha, mais um grito e mais coisas a andar de um lado para o outro.
E esperar para quê? Nada mexia na rua e tudo mexia no barco…
Mais uma vaga, mais aquele som do casco na rocha, mais um grito e mais coisas a andar de um lado para o outro.
O barco baloiçava para a esquerda, lá iam coisas dos meus pés para o bar…. O barco baloiçava para a direita, lá vinham coisas do bar para os meus pés… Sacos, garrafas, malas, caixas de café, caixa de metal dos guardanapos e por fim a máquina do café. A máquina do café? Sim, a máquina do café veio me ter aos pés….
Nas mesas do bar era só miúdos (equipas de futebol), e no início da viagem era música de um telemóvel e gargalhadas, mas naquele momento, uns gritavam, outros estavam em pânico e outros apenas fechavam os olhos com tanta força que acho que no fundo queriam apenas acordar e ver que aquilo não estava a acontecer… As lágrimas só lhes caíam. Lá voltavam os marinheiros e, ora se agarravam quando vinha a onda, ora davam resposta aos pedidos da população….
Mas, lá veio a notícia que as ajudas já vinham, «Será que nos vamos safar desta?!!» A tripulação pediu às pessoas para descalçar os sapatos e deixar as bagagens e as bagagens de mão. Os marinheiros a fazer os possíveis e impossíveis para pôr a população e a eles próprios fora de perigo, porque aqueles marinheiros são como nós, pessoas com medos, com famílias e com filhos, e ainda no meio deste caos, ainda existem pessoas que estavam preocupadas por deixar o sapato da marca tal ou a mala XPTO. Mas eles controlaram sempre tudo muito calmamente!
A tripulação organizou as pessoas para que, uma a uma, conseguissem abandonar o barco, e assim foi. Quando descíamos pelas mangas, acho que todas as pessoas pensaram o mesmo, «já nos safámos! Estamos fora de perigo!» Mas não! Os nossos corações ainda aguentaram mais um bocadinho, eram 61 pessoas, uma a uma, pareciam horas e, mais uma vaga, mais aquele som do casco na rocha e mais um grito! E desta vez era o barco que parecia que caía em cima de nós!
Primeiros crianças, depois senhoras e depois homens… depois a tripulação…. E por fim o mestre. Ele não devia querer abandonar o barco quando ele desceu! Da sua cara com lágrimas nos olhos de desolação nunca me vou esquecer…
Quando temos um familiar às portas da morte este mestre, os restantes mestres e respectiva tripulação saem das suas casas e com condições muito piores, saem com o barco para salvar mais uma e outra vida.
Hoje aconteceu um imprevisto mas este mestre e equipa salvaram 61 vidas e foi essa equipa maravilhosa que o fez com poucos recursos!
Hoje ia acontecendo uma tragédia, mas dentro do barco fez-se tudo o que se podia fazer. Foi tripulação que evitou essa tragédia, e é triste o que se lê nas redes sociais…
Amanhã voltarei às minhas travessias entre o pico e o faial como de costume, mas com uma maior admiração e respeito por esta tripulação.
Obrigada a toda a tripulação e ao mestre por me trazerem todos os dias para junto da minha família!
Obrigada"
Texto de Joana Maciel
Reportagem alargada sobre o encalhe do navio "Mestre Simão":
ResponderEliminarhttp://www.caisdopico.pt/2018/01/navio-mestre-simao-encalha-na-madalena.html