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A alcatra, prato gastronómico típico da ilha Terceira, nos Açores, é confecionada num alguidar de barro tradicional, feito atualmente apenas na Olaria de São Bento, que mantém portas abertas precisamente pela procura por este produto.
"Não vou dizer que não se faça uma salgadeira, um alguidar de massa, um pote, mas os alguidares da alcatra é que nos vão dando o ordenado", adiantou, em declarações à Lusa, Ricardo Simas, proprietário da Olaria de São Bento, admitindo que "se calhar a olaria está aberta devido aos alguidares de alcatra".
Este fim de semana, Ricardo Simas ensinou a fazer alguidares, numa oficina promovida pelo Museu de Angra do Heroísmo, numa iniciativa que contou ainda com uma demonstração do processo tradicional de confeção de alcatra e um almoço de degustação, no âmbito da dinamização da exposição "Instrumentos de trabalho ou de cultura".
Oleiro há 23 anos numa pequena olaria, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Ricardo Simas trabalha ainda o barro tradicional e, embora já tenha cedido aos pedidos de peças mais contemporâneas, com barro branco e vidrado, é o barro das ilhas que lhe dá mais gosto moldar.
Os alguidares de alcatra, que representam cerca de 70% das vendas da Olaria de São Bento e impediram que encerrasse como outras nos Açores, são feitos de uma mistura de barro da ilha Terceira e da ilha de Santa Maria.
"O nosso é de origem vulcânica. É um barro demasiado novo, tem muito grão e não é coado. O de Santa Maria esteve submerso durante alguns milhares de anos. É um barro muito gordo, totalmente diferente do barro do continente. Eu costumo dizer que o barro do continente não suja a mão, o nosso cola-se às mãos", explicou Ricardo Simas.
Já se encontram à venda na ilha Terceira alguidares com a mesma forma, feitos de barro do continente, mas segundo Ricardo Simas é o barro tradicional que dá o sabor característico da alcatra e quanto mais vezes for utilizado o alguidar mais apurado fica.
O oleiro já chegou a vender alguidares a turistas portugueses e a emigrantes, mas é sobretudo a população da ilha que procura o produto, porque "não há casa na ilha que não tenha uma alcatra no dia da festa".
Desde 2007 que há na ilha Terceira uma Confraria da Alcatra para defender a receita tradicional e divulgar aquele que consideram o "prato mais emblemático" da ilha e dos Açores.
"A alcatra não é um cozido, não é um assado, é um misto destas coisas todas, por ser feita em forno de lenha. Obviamente que hoje em dia é mais difícil, mas o tradicional é fazê-la em forno de lenha", salientou Duarte Fournier, grão-mestre da confraria.
Não há certezas sobre a origem do seu nome, nem sobre a data em que começou a ser confecionada, mas na última visita régia à Terceira, em 1901, terá sido servida no banquete real, como prato típico da ilha.
Segundo Duarte Fournier, a alcatra começou a ser feita com as carnes nobres do gado abatido pelas pessoas mais abastadas, como os lombos e a própria peça de carne com o nome do prato, no entanto, as cozinheiras que ficavam com a parte menos nobre do animal começaram a repetir a receita com as carnes com osso e "chegou-se à conclusão de que era muito mais saboroso".
Hoje é feita com chambão, cachaço e acém, todos com osso, e à carne de vaca junta-se banha de porco, toucinho fumado, cebola, alhos, vinho verdelho ou, em falta, um branco de qualidade, e as especiarias que influenciam a culinária da ilha: pimenta da Jamaica, cravinho e pimenta preta.
A alcatra é o prato típico das festas do Espírito Santo, na ilha Terceira, mas já não é feita apenas em dias de festa e há cada vez mais turistas a apreciá-la.
Duarte Fournier lamenta, no entanto, que alguns restaurantes adulterem a receita original ou sirvam o prato com outros acompanhamentos que não o tradicional pão doce.
"Eu acho que os pratos típicos de cada região têm de ser respeitados, porque é uma identidade de um povo", frisou.
in dn.pt
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