Nuno Pereira nasceu na Madalena do Pico, tendo vindo para S. Miguel estudar na Escola Profissional de Capelas e no final do estágio foi convidado para participar em concursos regionais de Profissões e no Campeonato Nacional de Profissões, onde obteve o 1ºlugar e uma participação no Campeonato Mundial realizado na Coreia do Sul. Passou por vários hotéis e espaços nocturnos de São Miguel. Casou e foi morar para o Brasil, onde começou a trabalhar em eventos no Rio, tendo trabalhado directamente com o então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, o governador Sérgio Cabral e o Prefeito Eduardo Pais. Foi considerado como um dos melhores Maitres do Rio de Janeiro, o que chamou a atenção do proprietário do restaurante Antiquarius, que lhe propôs gerir um restaurante em Brasília, considerado o melhor do Brasil por 17 anos. Depois inaugurou o melhor restaurante do Norte do país e para Paradas onde hoje se encontra em Boa Vista Roraima. Para além disso, foi escolhido como Vice-presidente do sindicato dos funcionários de hotelaria do Estado, tendo ministrado aulas na instituição Senac de garçons, tendo depois decidido abrir uma escola de gastronomia, um buffet e hoje um Boteco, fornecendo pastéis de natas para as padarias da cidade, realidade que vive até hoje e é feliz.
Correio dos Açores: Um picoense nomeado pela Revista Época como um dos melhores Maitres do Rio de Janeiro? Qual foi a sensação?
Nuno Pereira: Foi uma sensação óptima, pois estava há apenas 2 anos no Rio e foi um importante reconhecimento, fruto de muito trabalho e muitas adversidades naqueles dois anos, fora da minha cultura, o que me deu mais prazer ainda.
Quando te apercebeste do teu talento para a hotelaria?
A minha mãe trabalhava no extinto Hotel Pico como cozinheira e eu, de vez enquanto, ia lá e assistia a toda aquela azáfama e gostava muito de ver bem como minha madrinha de baptismo, que também era cozinheira num estabelecimento na Vila da Madalena e um primo meu que era um dos melhores barmens que eu já conheci, via-o a cativar os clientes e tudo isto me deu muito prazer. Acho que por isso comecei a apaixonar-me pela profissão e quando se ama, queremos fazer sempre o melhor.
Aos 17 anos saíste do Pico para frequentar a Escola Profissional de Capelas. Foi difícil sair fora da ilha?
Sim, foi sem dúvida. Foi como sair para uma realidade totalmente diferente no Pico, que era uma vida pacata e muito tranquila, em que vivia com os pais e tive de sair da minha zona de conforto para escrever a minha história de vida, o que foi muito difícil, sem amigos, sem parentes, mas graças a Deus conquistei muitas amizades e com o tempo tudo se foi tornando mais fácil.
A tua participação no Concurso Regional de Profissões ajudou-te na tua carreira profissional?
Sim, sem dúvida naquela época era uma coisa muito boa para qualquer um que lá fosse. As grandes empresas ficavam com o olho nos concorrentes, o que também aconteceu comigo, bem como aos meus colegas.
Seguiu-se o Campeonato Nacional de Profissões no ano 2000. Como foi a tua participação?
Naquele ano, foram apurados os primeiros e segundos classificados para o campeonato nacional, dado que foi o ano de celebrações especiais e eu fiquei em segundo nos Açores atrás do meu colega de trabalho Amandio Martins que também era barman no mesmo hotel que eu. Digo que na altura nos os dois éramos tipo Messi e Cristiano Ronaldo tínhamos uma concorrência saudável e tentávamos sempre superar o outro, o que aconteceu no campeonato nacional eu fiquei em primeiro e ele em segundo invertendo os papéis do Regional, o que foi muito bom para a nossa Região, pois constituiu um salto qualitativo para os Açores, dado que não nos viam no continente como hoje.
Foste convidado para a nova Escola Hoteleira dos Açores, sediada no Hotel São Pedro. Como correu ali a tua actividade?
Foi no início da escola e muita coisa havia ainda por fazer. Naquele mesmo ano houve o campeonato regional de profissões e eu voltei como júri e percebia-se as grandes diferenças entre os alunos da escola hoteleira e da escola profissionais das Capelas. Não nos podemos esquecer que nas Capelas o formador de Mesa/Bar era o Sr Antonio Marques Varão e o Paulo Medeiros, o primeiro o profissional de hotelaria mais completo e sábio que eu vi até hoje e o segundo um chefe de bar fantástico, na verdade excelente, enquanto a escola hoteleira era ainda um bebé, mas tudo se compôs com o passar dos anos, tal como se pode constatar hoje.
Entretanto, passaste em part time pelos espaços míticos de Ponta Delgada, como o Calema, London Restaurante, o Xantarix, etc. Deixaram-te algumas recordações?
Todos esses lugares deixaram-me recordações enormes: no Calema era auxiliar do Paulo Medeiros, que era o chefe de bar e naquela época não era a loucura que é hoje, visto que era tudo muito mais digamos “civilizado”, pois a elite de Ponta Delgada frequentava esse lugar com excelência e pediam seus cocktails e dava um prazer imenso atendê-los fazia-o com o maior prazer e orgulho. Quanto ao London e Xantarix até hoje mantenho contacto com o Srº Carlos e Dona Sãozinha Presunça, pois ficaram na minha história de hotelaria. Lembro-me que guardava as garrafas vazias de vinho que servia durante a noite no London e, no final da noite, retirava lhes os rótulos e com eles fiz um pequeno livro para estudar os vinhos. Aqueles locais eram também lugares frequentados só pela classe mais nobre da nossa querida cidade.
Que razões te levaram a emigrar para o Brasil?
Qual foi o teu primeiro trabalho no Rio de Janeiro?
O meu primeiro trabalho no Rio de Janeiro foi gerir uma casa espanhola muito grande, o que no início não foi fácil, mas como digo sou um camaleão e rapidamente me adapto. A casa tinha 900 lugares sentados naquela época e como pode imaginar foi um choque de realidades, mas pelas minhas capacidades (acho eu) fui depois destacado para organizar todos os eventos do então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, bem como o governador Sergio Cabral e o Prefeito Eduardo Paes no Estado do Rio, o que era muito dignificante para mim e assim me mantive por três anos.
Foi fácil a tua integração na sociedade brasileira?
Não, não foi nada fácil, pois é uma mentalidade totalmente diferente, métodos de trabalho diferentes e eu não conhecia quase nada da comida deles, inclusive a primeira vez que fui tirar um pedido numa mesa e me pediram explicação de um prato, tive de pedir o menu em inglês para poder eu mesmo entender o que era. Tive de aprender tudo de novo, os vinhos que conhecia eram só os portugueses e eles por aqui bebem mais do mundo novo que propriamente da Europa, o que me obrigou a tirar novos cursos de vinhos. O clima era angustiante, pois cheguei no auge do Verão daqui que é o auge do Inverno daí e a diferença de temperatura de São Miguel para o Rio de Janeiro no mesmo dia era de 33 graus a mais, bem como as leis trabalhistas aqui são muito diferentes das nossas e eu como gerente tive de uma vez mais me habituar.
Porque razão te transferiste para a capital do país?
Eu fui para Brasília porque na época frequentava muitas degustações de vinhos na capital fluminense e conheci vários portugueses, em que um deles, dono do Restaurante Antiquarius, sendo este por 17 anos o melhor restaurante do Brasil e posteriormente ele me convidou para ir abrir a filial deles em Brasília e lá ficar a gerir a casa, proposta a qual eu aceitei, acabando mesmo por ganharmos o prémio de melhor restaurante do centro oeste. E até porque já estava muito inserido no meio político do país e os inúmeros clientes do referido restaurante eram políticos e eu já os conhecia praticamente a todos. Estas foram as razões que me levaram a mudar para a capital.
Como correu o negócio da tua loja de vinhos virada para os portugueses?
A loja de vinhos foi uma experiência encantadora e voltaria a repetir sem dúvida. Tive o prazer de ter os melhores vinhos portugueses e do Mundo na
minha loja e de os degustar também (risos), pois eram coisas impensáveis para mim 5 a 6 anos antes. Eram vinhos que na época custavam 100 mil reais a garrafa, estamos a falar em 30 mil euros a garrafa, onde eu jamais poderia pensar que lá da ilha do Pico de uma família pobre, um dia eu pudesse provar um vinho desse valor.... mas infelizmente tive de vender a loja por me mudar de Estado para outro desafio ainda maior.
Recebeste uma uma proposta de inaugurar o melhor restaurante do Norte do país? Como está a correr o negócio?
Quando recebi a proposta ara inaugurar o Ville Roy Grill no Estado de Roraima, para dizer a verdade, não conhecia nada do norte do pais e então mandaram-me 4 dias para a capital do Estado onde íamos implementar o restaurante para eu ver se gostava e se aceitava a proposta .De imediato gostei muito, apesar do calor e ser o Estado mais quente de todo o país e no verão a temperatura chega a 49 graus. Mas o projecto era muito desafiante e eu gosto de um desafio, numa casa que era talvez a maior que eu iria trabalhar com 2750m² de área para clientes, 5 espaços diferentes, era um sonho inaugurar uma casa dessas e eu não recusei essa hipótese. Eu acabei cumprindo o meu contrato e não renovando, decidindo aventurar-me como empresário e empreendedor que hoje sou.
Como chegaste a Vice-presidente do Sindicato dos Funcionários de hotelaria do Estado de Ronaima?
Bem, eu estava aguardando finalizar a obra do Restaurante e fui convidado a dar aulas no Senac (escola de profissões como as que existem em Portugal, mas só aquela existe em todo o território brasileiro sustentada pelo Governo Federal), para aperfeiçoamento de empregados de mesa (aqui se chamam garçons) e os então alunos já faziam planos de abrir o sindicato, mas como não eram pessoas com muito estudo, convidaram-me para encabeçar o projecto o que assim fiz, mas como não sou brasileiro, não posso presidir ao sindicato, pelo que
fiquei com a Vice-presidência o que já me basta.... risos.
Porque te aventuraste-te na abertura de uma escola de gastronomia?
A abertura da escola de gastronomia foi um sonho da minha esposa, pois ela é chefe de cozinha e gosta de dar aulas assim como eu também gosto de ensinar. Então decidimos abrir a escola, em que ela dá aulas de cozinha e eu de vinhos, garçons e gerenciamento de alimentos e bebidas, apesar de hoje, depois de todos os cursos que já fiz me aventurar na cozinha pois acabo por me preencher profissionalmente.
Como corre o negócio dos pastéis de nata?
Comecei a fazer os pastéis porque era uma coisa que tinha saudades e quando nós portugueses aqui de Boa Vista nos encontramos sempre falamos nos nossos pastéis e de outras coisas muito boas que só nós temos e daí surgiu a ideia e hoje corre bem graças a Deus e vamos até começar a lançar no mercado mais doces portugueses como os travesseiros de sintra, o bolo levedo açoriano a siricaia e outros.
Tens saudades dos Açores?
Bem, até me arrepio respondendo a essa pergunta. É a minha terra e como costumo dizer que é aí que vou acabar e é isso mesmo que quero inclusive já comprei um pequeno terreno para iniciar a construção de minha casa lá na ilha do Pico, embora vá passar férias de 2 em dois anos mais ou menos nos Açores, não há maneira de nos esquecermos das nossas raízes, das nossas tradições, da nossa família e os imensos amigos que deixei para trás, embora hoje com as redes sociais tudo se torne menos sofrido.
Como vês os Açores de fora?
Olha eu acho que os Açores deram um salto enorme a nível turístico, ao ponto de dar um programa a nível nacional no Brasil sobre nossas ilhas. Fiquei radiante demais e o meu telefone não parava de mensagens e ligações felicitando-me e me pedindo para explicar como faziam para ir aí era uma loucura, assim como os continentais começarem a ver-nos com outros olhos. Acho que a hotelaria cresceu muito nos últimos 5 anos na Região e espero que assim continue, mas não esquecendo a qualidade, porque afinal hoje em dia o cliente não visa apenas a beleza da Região, mas sim a globalidade de todos os serviços.
E o futuro, o que se segue?
Como projectos futuros já tenho contrato fechado com uma estação de TV para um programa semanal de televisão sobre hotelaria sendo apresentado aos sábados às 11 da manhã.
Fonte: Correio dos Açores
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