segunda-feira, 10 de julho de 2017

Santa Maria a ilha encantada !



A ilha que Raul Brandão apelidou de dourada na sua obra Ilhas Desconhecidas,  em 1926, tem afinal múltiplas cores. Santa Maria é verde, é preta, é castanha e avermelhada, e ergue-se às camadas sobre o nível do mar. Do alto das falésias, olhando para o imenso oceano Atlântico, a paleta é outra, em vários tons de azul. Tal como o céu, ora cravado de nuvens brancas que mais parecem pedaços de algodão, ora limpo e com um sol abrasador (nota mental: não voltar a esquecer o protector solar). Se tivéssemos que lhe dar um nome, talvez a baptizássemos de ilha encantada, depois de ouvirmos estórias de assaltos de corsários, de romarias de navegadores e de lendas de sereias e de milagres do outro mundo.

Dizem que tivemos sorte com o tempo em terra mas no mar a história é outra – vamos ver se entretanto se compõe. Chegámos na quinta-feira ao final da manhã e na mala trazíamos as expectativas altas. Viemos para fazer reportagem do corrico feminino, um concurso de pesca só para mulheres que se realiza neste fim-de-semana. O evento, organizado pelo Clube Naval de Santa Maria, promete diversão no mar e muitas bicudas (peixes compridos, de boca estreita e dentes afiados) e quiçá até grandes atuns no prato… da  balança. Mas sobra-nos tempo. E em Santa Maria as horas parece que passam mais devagar – talvez por isso quem cá mora passe o tempo em festa. Assim, ninguém se aborrece, pelo menos no Verão.

Então, depois de uma primeira visita de carro pela ilha, fizemo-nos ao mar. Depois de maldizermos Neptuno por não nos deixar ir à Baixa do Ambrósio – um dos melhores spots de mergulho na ilha, a três milhas da costa Norte – seguimos rumo à Pedrinha, a Sul. Pelo caminho, demoramos os olhos nos recortes da ilha, que vistos do mar têm ainda mais encanto do que nos pareceu quando a vimos pela primeira vez, da janela do avião.



Santa Maria é a ilha mais antiga dos Açores e as “rugas” da idade – mais de cinco milhões de anos – estão bem vincadas nas rochas. Quem olha do mar vê as marcas horizontais de um passado desenhado nas escarpas, umas calcárias, outras argilosas, ou então vulcânicas. Os recortes da costa parecem esculpidos por um artista inspirado. Uma das obras de arte sobressai ao longe, de perfil: a bruxa. Ou melhor, a cabeça da bruxa, de nariz em gancho, enfiada bem na ponta de uma baía na costa Sul.  Mesmo nas suas barbas, um pedregulho ganhou a forma de uma tartaruga, assente sobre uma rocha de lava escura como o breu. É mais um vestígio da actividade vulcânica da ilha, adormecida com o passar do tempo mas ainda bem marcada na orografia.

Entre pequenas baías escondem-se grutas de entradas rasteiras e praias mínimas, quase privadas (perfeitas para nudistas), de areia morena e mar azul-turquesa. São como que miniaturas da praia Formosa, a mais bonita da ilha e a única praia dos Açores de areia clara (bom, digamos mesclada), que fica aos pés de um vale, encaixado no meio de altas encostas forradas a verde. Aqui e ali, as típicas casas marienses, rasteiras, pintadas de branco com as barras de cor em volta das janelas e chaminés rectangulares, que fazem lembrar as casas do Sul de Portugal continental.

Foi na Formosa que “atracámos” na quinta-feira ao fim da tarde à beira-mar, no Paquete, o bar que visto da água parece mesmo um paquete encalhado. Fomos molhar os pés e além da areia fofa, que o mar leva por completo e devolve todos os anos, encontrámos a água bem apetecível. Arriscamos um valor na casa dos 20 graus, mais ou menos a mesma temperatura que encontrámos na sexta-feira, aos 30 metros de profundidade.

Quando partimos do cais da Vila do Porto (o único concelho da ilha), na sexta-feira de manhã, já sabíamos que a probabilidade de ver peixe grande na Pedrinha era baixa. Nós, mergulhadores (com mais ou menos experiência), nos confessamos: a vontade de ver as famosas jamantas, que nos últimos anos têm chegado a Santa Maria às dezenas, em bando, sobretudo em Agosto e Setembro, é enorme. E será pedir demais um tubarão-baleia? Ou um golfinho que seja? Seja como for, o mergulho vale sempre a pena, com ou sem eles.

Mal descemos no azul, com 20 a 30 metros de visibilidade, fomos recebidos por uma raia, que nos deixou depois entregues a cardumes de salemas, moreias à espreita nos buracos, peixes-rainha e garoupas, entre outros peixes coloridos. Por entre rochas forradas de branco e pequenos túneis, procuramos um mero residente, mas nada. Seguimos caminho. E o melhor estava guardado para o fim. Enquanto subimos já para a superfície, dezenas de lírios aproximam-se em cardume e o azul intenso do mar fica carregado de prata. Curiosos, até parece que posam para a câmara. Voltamos a terra, mas ainda temos uma segunda tentativa: as jamantas hão-de aparecer.

in blogues.publico.pt

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