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Ilha de Santa Maria a caminho de ter uma base espacial?


Foto de O Baluarte


Açores vão acolher uma reunião de alto nível, com delegações de 29 países, do Brasil, China e EUA, passando pela Índia e África do Sul. O espaço, os oceanos, o clima e a energia são vistos como centrais para criar nos Açores um centro internacional de investigação.

Ainda é uma proposta em discussão, mas está a ser levada muito a sério: a ilha de Santa Maria, nos Açores, é apontada num estudo da empresa aeroespacial Airbus como um local bem posicionado para construir uma base espacial de onde partirão foguetões que coloquem em órbita da Terra pequenos satélites – avançaram esta terça-feira o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, numa conversa em Lisboa com os jornalistas, onde esteve também o secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, Gui Menezes.

Santa Maria como um futuro “porto espacial” vai ser um dos temas em discussão ao mais alto nível entre governos de vários países, cientistas e a indústria aeroespacial. O tema da reunião, na quinta e sexta-feira na ilha Terceira, é Interacções atlânticas – Integrando o espaço, clima, oceanos e ciências de dados através da cooperação Norte-Sul/Sul-Norte. Objectivo: a criação de um centro de investigação, incluindo a base espacial, procurando assim ter uma visão integradora de vários domínios: o espaço; os oceanos, o clima e a atmosfera; e a gestão de dados e sistemas de energia sustentável. Tem já uma designação: Centro Internacional de Investigação dos Açores, ou Azores International Research Center (AIR Center).

Esta reunião resulta de um trabalho nos últimos nove meses, frisou o ministro da Ciência, com workshops organizados por Portugal em vários locais, como os EUA, o Brasil e Bruxelas, e de visitas oficiais, como a do primeiro-ministro português, António Costa, à Índia em Janeiro. O resultado desta discussão e diplomacia científica é a vinda agora à Terceira de delegações de 29 países – dos Estados Unidos, da China, da Índia, do Brasil, África do Sul, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Nigéria, Senegal, Espanha, França, Alemanha ou Reino Unido – e, ainda da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. De vários países virão ministros. Na reunião, além de Augusto Santos Silva e de Manuel Heitor, estará Vasco Cordeiro, presidente do Governo Regional dos Açores. E da Agência Espacial Europeia (ESA, organização de que Portugal é membro), vai estar o seu director-geral, Johann-Dietrich Wörner.

É o culminar dessa “fase de preparação”, disse Manuel Heitor, e agora espera que se siga a fase em que os países se comprometam a participar no AIR Center. Juridicamente, a proposta em cima da mesa é a criação de uma organização intergovernamental – ou seja, com países-membros, à semelhança do que acontece na ESA ou no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN). “O desafio deste projecto é tão grande que não faz sentido que seja português. Queremos dinamizar a agenda internacional e é importante envolver neste processo vários países, instituições e o sector privado”, disse Manuel Heitor. “Os detalhes da constituição da instituição devem ser prolongados até ao final do ano.”

Por sua vez, Augusto Santos Silva sublinhou que do ponto de vista de política externa a criação do AIR Center tem três objectivos: “usar a componente científica e tecnológica no posicionamento internacional de Portugal”, “tirar partido da posição privilegiada de Portugal nas interacções entre Norte-Sul, em particular Atlântico Norte e Atlântico Sul”, e “valorizar a ciência e tecnologia como área de cooperação estratégica no domínio das relações bilaterais”.

É neste ponto das relações bilaterais que se insere a cooperação científica entre Portugal e os EUA, mas também com o Brasil, Cabo Verde, a Índia e agora a China. “[A cooperação científica] será crescentemente mais relevante na relação com a China. Os Açores são um elemento essencial nessa estratégia”, disse ainda Augusto Santos Silva.

O centro e a base das Lajes
Na nova equação de um centro internacional nos Açores, com uma base espacial, em que pé fica então a base aérea das Lajes (na Terceira), de onde a anterior Administração dos EUA queria sair? Santos Silva respondeu que o centro AIR e a base das Lajes “são duas coisas independentes”, dois “carris” diferentes. “Estamos numa etapa em que o processo de decisão norte-americana não está formalmente concluído. O Congresso colocou questões. O facto de haver uma nova Administração significa uma nova oportunidade para olhar para essa decisão. Se houver alguma alteração na decisão dos EUA em relação ao contingente militar, isso não afecta nem positiva nem negativamente o projecto do AIR Center.”

Mas os EUA também olham com desconfiança para o interesse chinês nos Açores. Sem nunca mencionar de forma explícita esta questão, Santos Silva deixou claro que uma coisa é a cooperação militar e outra diferente é a cooperação científica. “No que diz respeito às capacidades de uso militar, elas são usadas no relacionamento bilateral com os nossos aliados, em primeiro lugar com os EUA, ou no quadro multilateral, a NATO e o pilar de Defesa da União Europeia. Ponto parágrafo”, disse. “Na área de cooperação científica, tecnológica e económica, Portugal relaciona-se com todos os países do mundo.” Leia-se: incluindo a China.

Uma dessas áreas de possível cooperação com a China é precisamente o espaço. Por isso, a delegação chinesa à Terceira tem quatro representantes: além do embaixador em Lisboa, três elementos do Centro de Engenharia de Microssatélites de Xangai. Ora um dos workshops da reunião chama-se precisamente “Satélites, novas indústrias espaciais e lançadores [foguetões]”.

Os Açores como um novo porto espacial vão permitir “posicionar Portugal numa nova agenda espacial”, referiu ainda Manuel Heitor. “Por que é que o espaço é importante para países como Portugal?”, questionou o ministro da Ciência, referindo que até há dez anos os lançamentos espaciais estavam concentrados em poucos países: “Nos EUA, através da Florida, de onde são lançados grandes satélites; e depois na Guiana Francesa, na Rússia e China e, mais recentemente, na Índia.”

O avanço da tecnologia começa agora a abrir outro mundo de possibilidades que incluem as empresas, de que é exemplo a norte-americana SpaceX, que ainda há semanas lançou e recuperou um foguetão numa plataforma no mar. Possibilidades que incluem ainda satélites mais pequenos, que ficariam em órbitas mais baixas. “Cada vez mais se fazem satélites mais pequenos – de dez a 150 quilos ou até 400 quilos. É essa a gama que nos interessa”, explicou o ministro da Ciência. E que teriam observações com uma miríade de aplicações, no cadastro das cidades, na agricultura, no trânsito.

Se o centro internacional dos Açores vier a ser uma realidade, então à paisagem bucólica açoriana juntar-se-ão foguetões a desaparecer céu acima.

in publico.pt

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