Bolo açoriano patenteado viaja com as Forças Armadas e já chegou de jacto privado ao Dubai
Há oito anos que Mónica Silva tem a patente registada do seu bolo de caramelo e nozes, que é um dos mais solicitados da empresa “Ponto de Açúcar”. Persistente, a cake designer tentou uma estratégia de marketing juntos das Forças Armadas e conseguiu estabelecer uma parceria que a levou já a outros voos. É através de pilotos da Força Aérea reformados que trocaram Portugal pelos países árabes e pelos jactos privados que vê os seus bolos serem transportados e depois apreciados até por magnatas do Dubai, que já são clientes habituais. Mónica Silva apostou nos bolos devido a uma situação de desemprego e agora, o seu amor pelos bolos, já não lhe permite voltar atrás.
À medida que se começa a percorrer a lateral da casa de Mónica Silva, começa a sentir-se um cheiro adocicado no ar. Enquanto nos aproximamos da cozinha onde estão no forno bolos de vários tamanhos, o cheiro a chocolate quase que é palpável.
É ali que funciona a “Ponto de Açúcar”, a empresa criada há 10 anos por Mónica Silva quando se viu numa situação de desemprego e “tive de me virar de alguma forma”. Virou-se para aquilo que sabia fazer melhor: bolos. Requereu o pagamento do subsídio de desemprego por inteiro, apresentou um plano de negócios, investiu mais algum dinheiro e apostou na formação que lhe permitisse fazer algo mais do que simples bolos e tirou um curso de cake design (criação de bolos artísticos, numa tradução livre), que “há 10 anos atrás ninguém sabia muito bem o que era”.
Mónica Silva conta que em casa já se lidava com massas, primeiro porque o pai era padeiro e depois porque já tinha uma tia que fazia bolos de casamento. “Ria-me muito quando a minha tia me dizia que pagava a sua casa a fazer bolos de casamento. Dizia que ela era doida mas hoje em dia já não digo isso”, reconhece a cake designer, que conta que na altura “não havia formações nem certificados” e por isso decidiu apostar na formação em Lisboa “sem conhecer lá ninguém nem nunca lá ter ido”.
De regresso a São Miguel, mais concretamente a Rabo de Peixe, onde tem a sua cozinha, Mónica Silva pensou num nome para a sua nova empresa. Começou a trabalhar com uma “Cozinha Saborosa” mas depois achou que o conceito de cozinha não se aplicava ali, quando só faziam bolos e bolinhos. “Certo dia disse que tudo tinha um ponto e tudo leva açúcar, e há 10 anos que existe a “Ponto de Açúcar”, conta.
Mónica Silva diz que para se ser cake designer “não basta saber fazer bolos, é preciso amar os bolos” e chega mesmo a dizer que cada bolo que lhe sai do forno é quase como um filho “porque os bolos são recriados como uma fase da vida: nasce, cresce e ganha asas. O amor pelos bolos é fundamental, cada bolo que sai é como um bolo em busca da sua liberdade”.
É por isso que garante “os bolos têm de ser amados, não é fazer bolos para ganhar dinheiro. Costumo dizer que ninguém vem de um dia cansativo de trabalho e vai para o fogão fazer bolos por desporto. Isso é mentira”, afirma Mónica Silva que acrescenta que “as pessoas fazem bolos por necessidade. Também comecei por necessidade e hoje em dia sinto-me orgulhosa de dizer que comecei a fazer bolos por necessidade”. E porque hoje em dia “qualquer pessoa é cake designer”, Mónica Silva diz que prefere ser considerada pasteleira “à moda antiga” e é para isso que trabalha.
Agora, com a “Ponto de Açúcar” completamente implementada, a pasteleira diz que mesmo no início nunca pensou voltar ao mercado de trabalho noutras áreas. Até porque já se afirmou com o seu bolo de caramelo e nozes que tem patente registada e mais ninguém pode fazer igual, sob pena de processo judicial.
Mónica Silva admite que “para fazer igual, já estavam cá os outros” e por isso trabalhou para se distinguir num mercado tão competitivo e onde o trabalho ilegal prolifera. Tinha uma receita de um bolo de caramelo e nozes “de características familiares” mas admite que “faltava algo mais” para se distinguir dos tradicionais bolos de caramelo e nozes tão característicos da doçaria açoriana.
“Foram muitos tabuleiros de massa deitados fora, muitos tabuleiros que de nada serviram, mas chegámos à consistência que queríamos e ao ponto que todos os clientes agora adoram”, refere a cake designer que admite que o processo de patentear um bolo demorou cerca de três anos.
Mas além dos bolos deitados ao lixo, formalizar a burocracia também não foi fácil. “Um dia cheguei a um registo civil, numa Segunda-feira, e disse que queria registar uma patente de um bolo. A senhora olhou para mim desconfiada e disse-me que nos Açores não se registavam essas coisas. Fui a Lisboa e obtive o registo a nível nacional”, conta.
Os bolos para serem patenteados “têm de obedecer a determinadas características, temos de fazer prova deles, tem que haver muitas cartas de reconhecimento, muitas cartas a certificar que o nosso bolo é bom, muitas cartas a dizer que o sabor é melhor. É um processo demorado mas compensador”, refere Mónica Silva que recorda que quem provou o conceito final de aprovação da patente “foram chefs de estrelas Michelin e não é fácil obter a classificação 5”. Mas Mónica conseguiu e “depois de obtermos a declaração de patente registada, deixamos de pensar no valor que teve. Pensa-se que conseguimos, na missão cumprida. Pensamos no cliente e que vamos entregar um produto com qualidade e amado”.
Hoje em dia, o registo de patente do bolo de caramelo e nozes da “Ponto de Açúcar” está “guardado num dos cofres oficiais de uma das nossas Forças Armadas, porque os segredos têm de ser bem guardados e dou-me por satisfeita por uma das nossas forças militares terem guardada a receita do meu bolo”.
Forças Armadas também são amadas
As Forças Armadas são para Mónica Silva, além de fiéis guardiãs do seu precioso segredo patenteado, as impulsionadoras do seu “Ponto de Açúcar”. A pasteleira conta que por uma questão de marketing resolveu abordar as Forças Armadas e oferecer um bolo para dar a conhecer o seu bolo mais solicitado. O que pode faltar em altura a Mónica Silva, compensa em persistência, insistência e amor pelos bolos.
“Sabia que ia haver o Dia do Exército e precisava de dar a conhecer o meu bolo. Cheguei lá e disse que queria oferecer o bolo para a festa. Duvidaram de mim porque ninguém oferece bolos assim. Fui sujeita quase a um interrogatório: perguntaram porque queria oferecer o bolo, como ia oferecê-lo, em que condições vinha o bolo. Fiquei tão farta das perguntas que deixei o meu cartão e disse que se quisessem o bolo para me ligarem”, conta.
Afinal a persistência compensou e “desafiaram-me a fazer um bolo para 600 pessoas, para uma ocasião onde estavam presentes as mais altas patentes do exército. Tinha de ser um bolo à altura para a primeira impressão, foi o tudo ou nada”, comenta Mónica Silva que acrescenta que “teve de vir uma viatura pesada buscar o bolo” que tinha três metros de comprimentos e pesava 210 quilos.
Seguiram-se depois as comemorações do Dia da Marinha e a estratégia manteve-se. “Liguei para a Marinha e disse a quem me atendeu que queria oferecer o bolo e a resposta foi que não faziam festas. Disse que tinha acabado de ouvir na rádio que ia havia o Dia da Marinha e a resposta foi novamente que não faziam festas”, conta. A persistência fez com que Mónica Silva ligasse para a Marinha em Lisboa: “falei com uma senhora chamada Isabel, nunca mais me esqueço, que me disse que era com muito gosto que aceitavam. Disseram que iam entrar em contacto comigo e lá quiseram o bolo depois de muita teima”.
Depois foi a vez da Força Aérea. “A Base Aérea n.4 ia fazer 50 anos e merecia também um bolo”, conta Mónica Silva que foi de helicóptero à Terceira levar o bolo. “Os bolos podiam escrever um livro de vida. Muito se passa, muitas emoções, chegamos a chorar quando partimos um bolo”, lembra a pasteleira que admite que “a maior emoção que tive foi quando fiz um bolo para uma senhora de 100 anos e foi o seu último aniversário. São marcas que nunca nos esquecemos”.
Também não esquece as emoções que tem quando colabora com a Associação “Make-a-Wish” que permite concretizar desejos de crianças doentes. É também neste conceito de solidariedade que Mónica Silva se prepara para o seu próximo desafio. Porque as Forças Armadas “projectaram o meu trabalho e consegui criar uma imagem sólida, de confiança, tenho para com eles uma gratidão que nunca terá fim. Quer as Forças Armadas a nível Açores quer a nível nacional”, conta.
Por isso, e porque passou recentemente por uma situação próxima em que foi necessária a intervenção da Força Aérea, Mónica Silva vai estabelecer um protocolo para que “os profissionais que transportam órgãos humanos e que ficam noites inteiras dentro do avião à espera que a equipa médica faça o seu dever, tenham sempre qualquer coisa para comer e para restabelecer os níveis de açúcar e repor energias”. A cake designer conta que no ano passado, por razões de amizades próximas, teve de lidar de perto com a necessidade de tratar do transporte de órgãos para o continente. “Vi, de perto, o carácter dos grandes profissionais, da dedicação e da própria dor porque muitas vezes para eles também lhes custa. É complicado saber que levam vida dentro de um avião para salvar outras vidas mas perante aquela vida, outra se foi. Isto para qualquer ser humano é doloroso”, afirma. “É o nosso voluntariado e compensação por serem os nossos heróis e serem quem nos guarda”, elogia Mónica Silva que garante que “as pessoas podem ter a sensação que as forças armadas não estão disponíveis mas estão. E nunca haverá bolo nenhum que pague a valorização deles. Nunca haverá festa que pague essa dedicação”.
Os bolos já chegaram ao Dubai
O bolo de caramelo de nozes de Mónica Silva é o mais solicitado pelos clientes e a projecção da empresa já lhe permitiu estabelecer parcerias com outras empresas regionais. Por exemplo, com a SATA, para quem fez inicialmente o bolo para assinalar os 75 anos da companhia aérea regional. A aceitação dos sabores foi tão boa que foi convidada pela SATA e marcar presença na Bolsa de Turismo de Lisboa com os seus bolos. “Levámos seis bolos e o conceito que o continente não gosta dos nossos bolos escuros é um mito”, revela ao confirmar que o tradicional bolo de frutas, o de chocolate e o de caramelo e nozes voaram literalmente das mesas. “Mais houvesse” conta ao afirmar que “as pessoas perguntavam onde podiam comprar os bolos no continente e poderemos vir a concretizar essa parceria brevemente”. Além disso, o próximo concurso de Miss Portugal também vai contar com um bolo da “Ponto de Açúcar”.
Para a SATA, Mónica Silva também já idealizou os pequenos doces que foram servidos na rota inaugural Ponta Delgada-Barcelona “para dar a conhecer aos nossos amigos espanhóis o que há de melhor nos Açores onde temos bons produtos e bons profissionais”. Há também já a intenção da transportadora aérea de distribuir os bolos “Pontos de Açúcar” no voo inaugural para Cabo Verde com os doces tradicionais dos Açores.
Em termos de companhias aéreas, também a Ryanair já solicitou os serviços de Mónica Silva aquando do voo inaugural Ponta Delgada-Londres. “Em Londres havia um bolo de caramelo e nozes para todos provarem”, diz ao acrescentar que hoje em dia “temos de viver de parcerias e de ajudas. As empresas têm de se ajudar mutuamente porque sem isso não há crescimento, não há economia.
E não foi só a Barcelona e Londres que já chegaram os bolos de Mónica Silva que já circulam um pouco por toda a Europa, Estados Unidos da América e Canadá e até no Dubai. A presença nos Estados Unidos e Canadá é, de certa forma, fácil de adivinhar devido à emigração açoriana. É nos Estados Unidos da América que estão os pais e irmã de Mónica Silva que os visita com alguma frequência. O “problema” é que apesar de estar de férias é solicitada para presentear bolos pela comunidade açoriana.
Mas os seus bolos também já são apreciados no Dubai. “Um dos grandes magnatas de uma fábrica de petróleo do Dubai provou os meus bolos e é meu cliente assíduo pelo Natal”, conta Mónica Silva que admite que também aqui a Força Aérea continua a ter um papel fundamental. “É que quando os pilotos da Força Aérea de reformam normalmente vão para os países árabes conduzir jactos privados e como conheço quase todos “sempre que vêm pedem bolinhos”.
No aeroporto de Ponta Delgada isso acontece, mas em Lisboa acontece mais frequentemente. “Mandamos os bolos para Lisboa e os jactos privados param em Lisboa e seguem depois com os bolos. Começou com uma brincadeira mas hoje em dia é um produto de referência”, diz Mónica Silva.
“Não me revejo no conceito concorrência”
Com produtos reconhecidos mundialmente, Mónica Silva diz que não se preocupa com a concorrência e nem com o facto de muitos que fazem bolos de forma amadora e muitas vezes ilegal. “Cada bolo é um bolo e não há dois bolos iguais mas o mercado está tão saturado de toda a gente ser cake designer que eu quero ser a pasteleira que ama o seu bolo” e admite que valoriza muito o trabalho “das minhas colegas”. Nem mesmo em festas onde há bolos que não os “Ponto de Açúcar”, Mónica Silva critica o trabalho de outros. “Quem faz um bolo, faz com amor e com coração. Penso que qualquer pessoa que faça bolos, o faça como eu. Por isso nunca critico o trabalho de uma colega, sei o esforço, a abdicação de estar com a família e o sacrifício que teve para fazer aquele trabalho”, argumenta.
É que ser pasteleira ou cake designer “é exigente, deixamos de estar em família, não temos vida própria, não temos Natal, festas de aniversário com os filhos porque coincide com o bolo que precisa sair. Sempre que vou a um casamento respeito muito porque sei o que custa e a dedicação que a colega teve perante aquele trabalho”.
E as festas de aniversário de família são cheias de bolos? Curiosamente Mónica Silva diz que não. Que muitas vezes é o bolo mais básico que se pode fazer que enfeita as mesas de aniversário. Primeiro porque só mesmo em ocasiões especiais é que se come bolo em casa onde “já ninguém come”, depois porque “geralmente os aniversários coincidem com os Verões, com o Natal, que são datas com muito trabalho”. Por isso os bolos mais solicitados “são de chocolate ou pão-de-lá que leva uma tablete de chocolate derretida em cima e pronto”. Até nos seus próprios aniversários já comeu “bolos de colegas minhas” porque como faz anos no Verão, quando há muito trabalho, o marido já chegou a encomendar bolos fora. “Aquele bolo sabe tão bem porque não é meu, não fui eu que fiz e por isso o respeito que sinto pelas colegas”, refere.
O maior desafio são as noivas, admite, ao acrescentar que principalmente quando lhe dizem para “fazer como se fosse para si”, eleva-se a fasquia e tem de surpreender. A relação de confiança que se estabelece depois é que garante Mónica Silva passar a ser a pasteleira oficial de certas famílias “porque começo a fazer os bolos de casamento, de aniversário, de comunhão, e já levo as gerações. Vamos vendo a evolução da família”.
Mas há outros desafios que, pela forma ou altura, também são grandes. Como o que lhe foi lançado no ano passado pela Câmara Municipal de Vila Franca do Campo para a Feira da Páscoa em que “fizemos um coelho com 1,5 metros de altura, a três dimensões com orelhas, bigodes e tudo, todo ele comestível”. Este ano o desafio foi semelhante e surgiu um ovo de Páscoa, com 1,2 metros de altura, todo em bolo de chocolate, comestível, decorado e pintado refere Mónica Silva orgulhosa junto ao seu ovo da Páscoa.
Com novas ideias e projectos, a cake designer promete novas parcerias e novos negócios para o futuro. Porque a persistência e insistência fazem parte do seu ADN, Mónica Silva garante que vai continuar a levar o seu bolo patenteado de caramelo e nozes aos quatro cantos do mundo.
Fonte: Correio dos Açores
Deixe um comentário