quarta-feira, 1 de março de 2017

“Pensar que Sir David Attenborough vai estar a fazer a locução de histórias filmadas nos Açores é incrível”


O fotógrafo e operador de câmara especializado em vida marinha, Nuno Sá, foi o responsável nos Açores pelas filmagens da icónica série da britânica BBC que vai agora para a segunda edição. A série de sete episódios do Blue Planet II (Planeta Azul II) será narrada pelo naturalista britânico Sir David Attenborough e sobre os Açores vai mostrar o que acontece em alto mar quando uma baleia morre. Para Nuno Sá, fazer parte desta série icónica que o ajudou a seguir a sua actual carreira, “é fantástico”.

Correio dos Açores - Como é que foi fazer parte desta experiência de filmar para o Blue Planet II?
Nuno Sá (fotógrafo profissional desde 2004, que muito tem fotografado e filmado os mares dos Açores) - A primeira série Blue Planet (Planeta Azul) foi a série de maior impacto mundial alguma vez produzida. Foi produzida pela BBC e a mim, por exemplo, influenciou-me muito. Eu formei-me em Direito e acabei por mudar para uma carreira ligada ao mar, à fotografia e ao vídeo, e a série Blue Planet era a série icónica que toda a gente via e, realmente, era uma coisa de ficar de boca aberta.
A BBC resolveu refazer a série e foram três anos, embora eu tenha entrado um pouco mais tarde no projecto, no Verão de 2015.
Nos últimos anos tenho estado dedicado a tempo inteiro ao vídeo e fiz um investimento muito grande em câmaras de topo, de cinema, como as que a BBC usa, e tendo os Açores uma vida marinha tão icónica, especialmente ao nível de vida marinha aquática do Atlântico Norte, a BBC em vez de enviar uma equipa para os Açores resolveu contactar-me a mim e depois, como as coisas correram bem, acabei por fazer também uma história na Noruega.

Pode saber-se o que filmou aqui nos Açores?
Nos Açores estivemos a filmar cachalotes. Tivemos uma história, que não posso aprofundar muito, mas que tem a ver com o que acontece quando uma baleia morre em alto mar. Estivemos a fazer a história durante muito tempo e depois foi seguida no submarino Lula 1000 da Fundação Rebikoff-Niggeler. Depois, na Noruega, estive a filmar orcas e baleias de bossa em Novembro, a alimentar-se de arenque. Basicamente estive a filmar essas histórias.
Depois houve outras histórias mais pequenas sobre histórias que se passam em alto mar que têm a ver com quando se vê alguma coisa a flutuar em alto mar. Por exemplo, basta um balde ou uma rede abandonada para se criar todo um ecossistema à volta.
Foram estas histórias em que estive a trabalhar a partir da ilha do Pico, com a empresa Pico Sport, foram dois Verões, Primavera e Verão, em que tivemos 48 dias de alto mar, o que acabou por ser um esforço muito grande.

Como é que foi fazer parte também desta série icónica?
Para mim tem um valor acrescido porque este tipo de produções acabou por influenciar a minha escolha de vida e de carreira e opções de vida em relação ao que quero fazer, que contributo posso dar e aquilo que podia fazer em termos profissionais. E realmente esta foi talvez a grande série que me influenciou nos tempos em que ainda estava indeciso com o que queria fazer da minha vida. Esta série saiu em 2001, que foi o ano em que me formei, e realmente fazer parte de uma mega produção destas e pensar que Sir David Attenborough vai estar a fazer a locução de histórias filmadas nos Açores, é incrível.
Os Açores são um sítio com uma vida marinha única a nível mundial e era importante que estivesse presente num documentário que pretende mostrar as coisas mais incríveis desde o Pólo Norte ao Pólo Sul, passando pelos Trópicos e por todo o mundo.
A minha carreira foi sempre muito vocacionada por tentar promover os Açores e tentar dar a conhecer um sítio com uma vida marinha comparável com as Galápagos. O facto de acabarem por produzir nos Açores é fantástico e o facto de eu ter participado na produção é ainda mais fantástico, pelo menos a nível pessoal. A última série do Blue Planet teve uma vida de 15 anos e prevê-se que esta nova série seja vista por quase meio bilião de pessoas, que acho que é uma coisa incrível, é fenomenal.
Acho que como sempre foi esse o meu intuito de dar a conhecer os Açores ao máximo de pessoas possível não há um palco mais privilegiado do que este, porque transpõe todas as fronteiras e é visto em todo o mundo.

Diz que o mar dos Açores é único, acha que esta série também vai trazer mais visitantes e despertar a curiosidade de pessoas de todo o mundo para virem conhecer os Açores?
Penso que sim, apesar de o eco-turismo principalmente ligado ao mergulho e à observação de cetáceos tem vindo a crescer, de maneira que os Açores têm apostado bem, num turismo não massificado mas sempre em crescendo. Calculo que seja mais um bom contributo mas, hoje em dia, é inegável o impacto desta actividade na economia das ilhas dos Açores.
Aliás, há cerca de dois anos foi divulgado um estudo do Departamento de Oceanografia e Pescas – DOP da Universidade dos Açores que apontava para mais de 50 milhões de euros que são gerados na Região só por causa da observação de cetáceos e do mergulho. Cada vez mais estamos a falar de uma actividade icónica dos Açores, por exemplo a cauda do cachalote é quase o símbolo turístico dos Açores, mas cada vez mais os Açores são reconhecidos como um destino de eco-turismo por excelência, um destino que não é massificado, onde se pode ter experiências incríveis na natureza e esta parte do mar acaba por ser o que nos vai distinguir de todos os outros destinos. Porque existem imensos destinos em que se fazem passeios a pé fantásticos, mas nós somos um sítio com uma vida marinha incrível e que cada vez mais as pessoas querem vir visitar.
Um exemplo disso é que para a observação de cetáceos, cada vez mais pessoas vêm na Primavera para ver a baleia azul e as baleias de barbas que são os maiores animais do nosso planeta. Antigamente, a Primavera era uma época baixa em que as empresas de whale watching nem sequer tinham os barcos dentro de água e hoje em dia de formos para o mar em Abril ou Maio, já todas as empresas estão a sair para o mar. É uma actividade que tem tido um crescendo e espero que seja mais um contributo para que cada vez mais pessoas nos visitem.

Mas sendo os Açores ainda reconhecidos como uma zona de turismo não massificado, acha que se possa tornar cada vez mais um turismo de massas? Como se pode acautelar que não haja essa massificação?
Eu creio que têm sido tomadas decisões muito boas e a principal é que o número de licenças de observação de cetáceos é limitado. Nas ilhas em que há uma opção grande, é logo limitado o número de licenças de modo a que existem 15 barcos em São Miguel e não poderão existir mais. Penso que o próprio mercado acaba por se ajustar para que não haja tanta pressão sobre os animais. Basicamente o que acontece é que não existem mais licenças e se cada vez mais pessoas quiserem vir, os barcos tornam-se cada vez maiores e vão menos barcos para o mar mas com mais pessoas.
Não acredito que especialmente o mergulho se torne uma coisa massificada. Já mergulhei em vários destinos de mergulho, por exemplo a Grande Barreira de Coral tem mais de um milhão de mergulhadores por ano, está a anos-luz dos Açores. Existem destinos de mergulho com dezenas de vezes mais o que nós recebemos nos Açores. Não acredito que vá haver um impacto negativo sobre a vida marinha focada no mergulho.
O que faz falta, e é a única coisa que nos Açores ainda não conseguimos criar para ter condições para criar um destino de mergulho internacional de sucesso reconhecido a nível mundial, é que não existem reservas marinhas praticamente nenhumas para se fazer mergulho.
Se formos a ver na ilha de São Miguel o único sítio onde não se pode pescar é no Ilhéu de Vila Franca do Campo. Quando em qualquer destino de mergulho do mundo existe uma pequena zona com três ou quatro milhas onde não se pode pescar, como se fez na Madeira ou no Porto Santo onde não se pode pescar e onde começa a acumular-se uma quantidade de vida marinha muito maior e os mergulhadores saem muito mais satisfeitos porque para verem um mero ou uma jamanta ou seja o que for, não precisam de fazer 30 mergulhos basta fazer um e todos os mergulhos são fantásticos. Nos Açores, em termos de promoção tem-se feito um excelente trabalho mas ao nível da criação de reservas é que tem havido falhas. Não se consegue.
Eu fui viver para os Açores há mais de 15 anos e noto de ano para ano cada vez menos peixe, cada vez menos peixe. Mas noto pequenas vitórias, por exemplo a ilha de Santa Maria que conseguiu criar as suas próprias reservas por iniciativa própria e puseram toda a sociedade civil de acordo que o mergulho era útil. Também por ser uma ilha pequena que não tinha tantas actividades turísticas começaram a ver que o mergulho tinha um impacto enorme na economia, nos hotéis, nas rent-a-car, nas actividades turísticas todas, e perceberam que valia a pena fazerem umas reservas pequenas para potenciar o mergulho. Isso foi uma grande vitória. Infelizmente, nas outras ilhas ainda não tem sido possível.
As pessoas vão ver estas histórias fantásticas com a vida incrível que há nas nossas águas e esperam chegar aos Açores e ver aquelas imagens incríveis todas cá. A vida marinha está cá, nos Açores, agora é preciso muito esforço para vê-la enquanto se existissem as reservas marinhas era muito mais fácil vê-las.

Que projecto novos tem em carteira?
Tenho um projecto que ainda está um pouco no segredo dos deuses mas que posso já adiantar. No próximo ano vamos ter uma série na SIC sobre a vida marinha de Portugal. A ideia é surpreender os portugueses com o quão incrível é a nossa vida marinha desde os Açores, à Madeira, à costa continental e é um projecto feito em parceria com o Oceanário de Lisboa e que já foi acarinhado pelo Governo Regional dos Açores de maneira que em meados do próximo ano vamos ter uma série nova sobre a nossa vida marinha.
Penso que faz muita falta termos produções portuguesas e as pessoas ficarem a perceber a vida marinha única que temos. Posso dizer que muitas vezes faço apresentações sobre a vida marinha dos Açores e outras coisas, e imensas vezes o que faço é perguntar ao público qual é o maior peixe do mundo. Hoje em dia cada vez mais pessoas vêm a National Geographic e a BBC e sabem que o tubarão baleia é o maior peixe do mundo. Mas quando pergunto quantos é que sabem que existe em Portugal, nos Açores, em Santa Maria e noutras ilhas, regra geral ninguém levanta o braço e é incrível. Acho que faz muita falta termos produção nacional muito boa, equiparável a este género de produções com que tenho colaborado e que nos dêem a conhecer a nossa vida marinha.
Entretanto o canal National Geographic esteve há cerca de duas semanas a mostrar o documentário que estive a filmar durante dois anos com uma equipa nos Açores, que está a dar no canal Nat Geo Wild intitulado “as ilhas selvagens do Atlântico”, e penso que isso é mais um bom contributo para as pessoas perceberem que vivemos num sítio privilegiado e que somos privilegiados por viver nos Açores.

Fonte: Correio dos Açores

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