António Frias: o açoriano que cimentou a América
É quase impossível não ficar parado a olhar para os retratos que preenchem as paredes e prateleiras do escritório. Há fotografias antigas a preto e branco, outras mais recentes, com caras mundialmente conhecidas, da política ao futebol: estão lá Eusébio e Pelé, George W. Bush e Bill Clinton, Rudoph Giuliani e Bernie Sanders, Ronald Reagan e José Ramos-Horta. Em todas há um rosto comum, desconhecido, que não desfaz o sorriso perante a objectiva: António Frias, um self-made man que chegou aos Estados Unidos com a quarta classe e o futuro incerto pela frente, mas que se transformou num dos maiores empresários portugueses do país.
Foi em 1955. "Cheguei às 7h da manhã, meia hora depois já estava a trabalhar numa fábrica de sapatos", recorda, sentado no seu gabinete da S&F Concrete Contractors, a empresa que fundou com o irmão Joseph nos anos 60 e que construiu o maior edifício de Boston, recentemente inaugurado: a Millennium Tower, cujo orçamento ultrapassou os 100 milhões de dólares (90,2 milhões de euros). A equipa que ergueu os 60 andares - com quase 200 metros de altura - atingiu o topo em Setembro de 2015, ano e meio depois de ter iniciado a construção. Durante esse período, António Frias viajava de Hudson para Boston, a uma hora de carro, todos os dias. Era o primeiro a chegar e o último a sair do estaleiro. "Houve semanas em que a torre cresceu três andares."
"Aqui trabalha-se a sério. Apesar de ter começado atrasada, conseguimos entregar a obra antes do prazo. Houve alturas em que trabalhávamos ao fim-de-semana", recorda o empresário, que agendara a entrevista com a SÁBADO na manhã de segunda-feira, 13 de Junho, em Boston, logo após um compromisso inadiável: a reunião com Donald Trump e com um grupo de investidores, para uma recolha de fundos de apoio à candidatura presidencial do magnata norte-americano. "Acabou por ser cancelado devido aos atentados de ontem [12 de Junho], na Flórida", justifica o português, há muito apoiante do Partido Republicano.
Republicano foi aos Açores
A primeira vez que participou numa campanha eleitoral foi o governador do Massachusetts que o incentivou. Ficaram amigos, chegaram a passar férias juntos na sua casa nos Açores e Frias ainda guarda o papel em que Paul Cellucci o desafiava a alinhar numa recolha de fundos. Tem a data de Fevereiro de 1996: "Amigo Tony, esta pequena nota serve apenas para te informar que Haley Barbour [do então comité Político do Partido Republicano] me encarregou de juntar um grupo de apoiantes ao Partido Republicano, com vista à eleição de um Presidente", escreveu o amigo. O encontro foi marcado para o Bostonian Hotel, em Abril desse ano, mas Tony Frias não revela com quanto contribuiu - "Não gosto de falar nessas coisas. Isto é como pagar quotas ao diabo", brinca o empresário que chegou a organizar uma recolha de fundos em sua casa para a candidatura de Mitt Romney.
Embora seja apoiante e financiador do Partido Republicano, Frias contribuiu com fundos para os democratas durante 20 anos: "Faz parte da vida. Comecei na eleição do Kennedy e mantive o meu apoio até Jimmy Carter. Mas os republicanos acabaram por me convencer. Percebi que os democratas e os socialistas são boa gente para gastar o dinheiro dos outros [risos]. Sabe o que dizia a [Margaret] Thatcher? 'Não se empresta dinheiro aos socialistas porque eles nunca param de pedir até se acabar o dinheiro.'"
A lista de apoios é extensa e proporcional às fotografias que exibe no gabinete: esteve ao lado do clã Bush - na foto que tirou com George Bush pai, há um agradecimento "to Tony Frias" assinado pelo punho do Presidente - mas também apoiou Ronald Reagan e Jimmy Carter. Diz que também o faz por reconhecimento e estratégia: "Se conseguimos uma obra de milhões e o promotor organiza uma angariação de fundos não vamos aparecer nem dar nada? Antes dar que pedir."
Poucos se poderão gabar de ter uma foto com quatro Presidentes, agradecimento e assinatura de cada um deles: Reagan, Carter, Bush e Ford. Não fosse Frias um homem simples a imagem já teria sido notícia em Portugal, mas o empresário é mais dado à bola do que à política. E a foto que mais o orgulha foi tirada em 1975: de um lado está Eusébio, do outro Pelé.
O primeiro encontro com o craque do Benfica aconteceu em 1966. António Frias tinha viajado até Nova Iorque para assistir ao Benfica-Santos, de Pelé. Agarrara nuns binóculos na esperança de ver o craque português à distância, longe de imaginar que esse dia marcaria o início de uma longa amizade. "Estava a treinar antes da partida e fui falar com ele. Foi muito simpático. Quando voltou estivemos novamente juntos. Veio com o Simões para jogar em Boston e éramos praticamente vizinhos. As nossas famílias tornaram-se amigas, ainda hoje as filhas dele chamam aos meus filhos os 'irmãos brancos'", conta à SÁBADO.
Muitas histórias e peripécias se seguiram a esse encontro. Tony Frias chegou a viajar de propósito até Marrocos para conseguir visto para Eusébio, que tinha um jogo pela selecção. Sem passaporte, Eusébio estava impossibilitado de entrar no país. "Na altura tinha uns contactos políticos e acabámos por ir lá. Jantámos com o príncipe - hoje Rei - e o Rei fez questão que Eusébio se sentasse ao seu lado", recorda.
Sem voo de regresso, foram para a Líbia onde apanharam um avião até Paris, e dali seguiram para os EUA. "Dormimos no Charles de Gaulle. A meio da noite, olho para o lado e está o Eusébio a dar autógrafos a uma fila de gente. Tinha jogo no dia seguinte, em Nova Iorque, com a equipa do Pelé."
Foram 48 longas horas que terminaram com o jogo entre os Boston Minutemen e os New York Cosmos. Eusébio marcou "um golo do meio campo", Pelé acabou expulso. No fim do jogo, o Pantera Negra foi ter com o amigo: "'Queres tirar uma foto com o Pelé?' Claro que quis." A imagem é omnipresente na vida do empresário: está exposta no seu gabinete da S&F Concrete Contractors e no escritório de casa, onde tem uma vitrine dedicada ao clube do seu coração, com fotos de Eusébio, Flora e das filhas. "Chegámos a passar férias juntos na minha casa na Flórida."
Frias tornou-se uma espécie de empresário de Eusébio e foi através dos seus contactos que o Pantera Negra alinhou no Monterrey, no México, e nos Toronto Raptors. No dia em que partiu para o Canadá, foi ele que o levou ao aeroporto. "O Eusébio era um bocadinho relaxado com estas coisas e quando chegámos o avião já estava na pista. Voltou para trás e tiveram de encostar novamente a manga. Era o Eusébio", conta António Frias, que também viajou dos EUA com Simões - que chegou a jogar nos EUA - num avião fretado para assistir à final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em Estugarda. Uma noite de má memória para Veloso, que falhou um penálti - e para o Benfica - mas que o empresário recorda a rir: "Não havia um único quarto de hotel disponível. Sabe onde dormimos? No quarto do Eusébio, que estava a acompanhar o Benfica. Os três [risos]. No dia seguinte tivemos de almoçar no McDonald's."
Sentado à mesa de um modesto restaurante chinês em Hudson, onde vive e onde está sediada a sua empresa, Frias desbobina os primeiros tempos na América. Passaram mais de 60 anos desde que aterrou em Massachusetts e nota diferenças na terra que hoje acolhe empresas de referência como a Apple, Intel ou a Texas Instruments. Ouve-se falar português e brasileiro - juntos são mais do que os nativos americanos em Hudson - e chinês, o dos empregados.
"Quando cheguei a esta cidade havia apenas um semáforo. Hoje é impossível contá-los", afirma o empresário, o mais velho de 17 irmãos, nascido na freguesia de Santo Espirito, em Santa Maria, nos Açores. "Não quer um biscoito da sorte?", pergunta quando o empregado sugere uma sobremesa.
Cresceu como qualquer miúdo da ilha, levava os animais para o pasto e pescava com o pai. A casa da família ainda lá está, assim como o velhinho bote de madeira do pai, o Bom Pastor, que António Joaquim Frias guardava debaixo de um telheiro junto ao mar.
Frias foi para os EUA em 1955, com o pai e os irmãos. A mãe, nascida na América, trabalhava na fábrica de calçado em Hudson. Foi também ali que ele começou, aos 16 anos. Esperava-o um trabalho de operário durante o dia, e outro numa padaria pela noite dentro. Os primeiros tempos foram duros, chegou a pedir 10 dólares (hoje cerca de 800 euros) emprestados porque não tinha como alimentar os filhos. Mas foi com os dois empregos que conseguiu comprar o primeiro carro. Hoje, os carros são uma das suas perdições.
Trocou Hudson por Chicago, para onde foi com o irmão, e começou a trabalhar nas obras. "Uma pá e picareta nas mãos. Depois passei a fazer cimento." Era o prenúncio para os tempos que se seguiriam: quando o dono da empresa morreu e a mulher não quis ficar com o negócio, ele e o irmão assumiram o seu destino. Mudaram-se para New London, Connecticut, em 1965, e passaram a fornecer cimento para a construção de habitações e passeios. As instalações actuais apareceram três anos depois: em Hudson, terra familiar, os Frias compraram uma antiga bomba de gasolina e uma garagem de mecânica e começaram assim um negócio que lhes mudaria para sempre a vida.
Antes disso, António ainda voltou aos Açores para procurar uma rapariga que tinha visto no dia em que partiu com os pais para os EUA. Não a conhecia, nunca mais a vira até àquele dia, mas estava decidido a encontrá-la. Não foi difícil. Em menos de quatro meses António Frias e Maria Manuela estavam casados.
É com ela que o empresário partilha os 14 lotes de terreno onde está instalada a moradia principal, com piscina, e de onde se vêem duas bandeiras ao vento: a americana e a portuguesa. "Aqui é a nossa cabana. Está a reconhecer aquele símbolo?"
Passaram mais de 60 anos desde a sua chegada aos EUA. Para alguém que se aventurou às escuras, e que hoje é responsável por algumas das mais emblemáticas obras de Boston, que trabalha com nomes como Frank Gehry, responsável pelo pavilhão dos Celtics, pelo estádio dos Patriots ou os edifícios do MIT [ver caixa], facilmente se pensaria que António Frias é o retrato mais fiel do sonho americano. Gosta de bons carros, de vestir marcas caras e é capaz de fretar um avião para passar o fim-de-semana nos Açores. Também gosta de boas casas, a última, junto ao lago, em Hudson, com um pequeno barco estacionado no minicais, custou-lhe 542 mil euros. Falta-lhe concretizar um sonho: ter uma casa de fado em Alfama.
Fonte: Revista Sábado
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