quinta-feira, 28 de julho de 2016

O luxo está de volta ao Hotel Monte Palace, nos Açores

Foto de Sara Pinheiro


Sobre a Lagoa das Sete Cidades, em São Miguel, o hotel Monte Palace, abandonado há anos, ganhou agora uma nova vida. Façam favor de entrar, diz-nos o artista catalão Javier de Riba

Até há uma semana, ali havia apenas escombros: pedaços de madeiras e pedras, lixo acumulado misturado com água da chuva e da humidade do nevoeiro que entra pelos buracos das portas e janelas que já não existem. Do Hotel Monte Palace, no miradouro de Vista de Rei, sobre a Lagoa das Sete Cidade, na ilha de São Miguel, nos Açores, já só resta um vigoroso esqueleto de paredes a guardar memórias do luxo que ali existiu. Foi aí, num espaçoso átrio com um pé direito de três andares, que o artista catalão Javier de Riba, 30 anos, pintou o chão como se de uma enorme extensão de mosaico hidráulico se tratasse. O projeto, incluído no Festival Walk & Talk, que decorre na ilha até ao próximo domingo, 31, acentua ainda mais a grandeza deste espaço que se transformou, nos últimos anos, em lugar de visita turística pelo abandono a que está entregue.

“É a maior pintura num chão que já fiz. Para intervir neste espaço, tão grande e com tanta força, tinha que fazer alguma coisa impactante, tinha que estar à altura de um lugar assim”, diz Javier de Riba. Há pouco mais de um ano, com o seu Reskate Arts & Crafts Collective, descobriu quase por acaso o poder que tem uma pintura mural feita no chão. “Fascinou-me o contraste daquela coisa colorida que brota do chão com os lugares abandonados e cinzentos”, conta. A inspiração para os padrões que pinta foi buscá-la aos mosaicos hidráulicos, característicos de Barcelona, onde nasceu e vive, produzidos pelas muitas fábricas que ali funcionavam no século XIX.

Foto de Sara Pinheiro

Quando começou a pensar no projeto do Monte Palace, Javier foi investigar a história de tão bizarro edifício construído à beira de uma estrada de acesso à Lagoa das Setes Cidades, no final dos anos 80. Descobriu que abriu portas em 1989 e, menos de dois anos depois estava a fechar, por falta de clientes e de dinheiro. O nevoeiro que muitas vezes tapa a lindíssima vista para as lagoas terá sido uma das razões do insucesso, mas a vanguarda do investimento (88 quartos, entre eles, fantásticas suítes) naquele lugar e naquela época também não terá ajudado. Quando, em 2010, o segurança que guardava o hotel deixou de ir, por falta de pagamento, o Monte Palace acabaria por ser totalmente pilhado. Hoje, nada mais sobra dentro daquelas paredes do que escombros, escassos restos de alcatifa no chão, pedaços de papel de parede corroído ou uns quantos azulejos.

De tudo o que leu sobre os Açores, houve uma história que Javier fixou: a da planta Isatis tinctoria, também conhecida por Pastel, que se usa para produzir pigmento azul para tingir tecidos, introduzida nos Açores nos século XV, tornando-se um dos seus principais produtos de exportação… até abandonarem a sua produção por questões económicas. O paralelismo com a história do Monte Palace levou o catalão a inspirar-se nessa cor (a do mar, pois, ou não estivéssemos numa ilha) para a sua pintura.

Depois de limpos os escombros, depois de tapado com um plástico (azul, curiosamente), o grande buraco que existe no telhado e que deixa entrar chuva e humidade, Javier começou a pintura do chão. Com spray e dois moldes em vinil, ele e Maria Lopez, a outra metade do Reskate Arts & Crafts Collective, criaram um enorme “tapete” em tons de azuis e amarelo sobre fundo branco. “Gosto de criar tensões e contrastes com o espaço, mas também gosto quando a pintura se mistura com o lugar. Acredito que esta peça, até pelas condições em que está o hotel, se esbata com o tempo e não se perceba depois se sempre cá esteve ou se é nova”, afirma Javier, que assim aumentou o seu projeto Floors (um “chão” em inglês, que soa a “flores” em espanhol).

Foto de Sara Pinheiro

“É uma capa fina de pintura, o que faço. Uma mudança de pele simples que muda também a perceção que temos do espaço”, descreve Javier de Riba, ecoando a filosofia do festival Walk & Talk, que tem levado a São Miguel um novo olhar sobre a ilha, a criação artística e a ideia de comunidade. Ao hotel Monte Palace, nem o abandono tirou a vida. Muito menos agora: o luxo está de volta, em forma de arte urbana.

in visao.sapo.pt

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