Quatro jogos, zero derrotas, zero empates. Por outras palavras: só vitórias. Percorre-se as duas Ligas profissionais, mais todas as séries do Campeonato Nacional de Seniores (CNS) e só se encontra um registo assim: o Sport Clube Angrense é o único emblema dos campeonatos nacionais 100 por cento vitorioso nesta altura, ainda precoce, da temporada.
«Uma surpresa até para nós», conta Gonçalo Valadão, capitão de equipa, para início de conversa. O Maisfutebol levou, pela primeira vez, a rubrica Caminhos de Portugal aos Açores para conhecer melhor a realidade deste clube da cidade de Angra do Heróismo, na ilha Terceira.
Encontrou uma realidade que não será muito diferente de outros emblemas de ambições modestas na série H do CNS. Um clube quase exclusivamente amador e, até, totalmente açoriano. «Temos um jogador que é da ilha do Pico e o treinador de S. Miguel, mas já está na Terceira há mais de vinte anos. De resto somos todos terceirenses. Mais do que um plantel somos um grupo de amigos», garante Gonçalo.
Foi, de resto, uma opção estratégica que nos é contada pelo presidente Miguel Borba. «Havia boas possibilidades em S. Miguel, onde o mercado era maior, mas obrigava a oferecer habitação, alimentação, bilhetes de avião. Não podia ser. Apostamos mais na formação. Há males que vêm por bem», salienta.
Depois de explicada a realidade do clube, Gonçalo vinca que, por isso mesmo, ninguém entra em euforias com o momento atual. «Temos os pés bem assentes na terra. Se, no início do campeonato, dissessem que íamos ganhar todos os jogos até esta jornada ninguém acreditava. Nem eu se calhar. Temos feito bons jogos, o grupo é muito unido e está confiante. Tem feito a diferença», explica.
A opinião é partilhada por Cristiano Magina. Com quatro golos em quatro jogos é o melhor marcador da equipa. «Estes resultados são fruto do nosso trabalho. Temos possibilidade de bater-nos com qualquer adversário mas sabemos que mais tarde ou cedo vamos perder pontos», admite.
José Carlos Vitória, outro jogador do grupo, nem sabia que este percurso imaculado não tinha par. «É um orgulho enorme e um prémio para este grupo», comenta, salientando, porém, que não muda a ambição do grupo.
Gonçalo anui: «O nosso sonho é a manutenção. Sabemos que vamos ter a nossa fase mais negra, até pelo desgaste das constantes viagens ao continente. É algo que não podemos mudar.»
Ordenados aumentados para o presidente poder festejar à vontade
Miguel Borba é o líder de todo o projeto. O presidente do Angrense conta ao nosso jornal que o orçamento aumentou 50 por cento para esta temporada, face às despesas mais elevadas da participação num campeonato nacional.
Os ordenados também subiram. Aí foi uma opção estratégica curiosa. «Com o meu antecessor, havia um ordenado base mais baixo e prémios por jogo. Mas nem imaginam o que foi o ano passado, com a melhor época de sempre, em que tivemos 90 por cento de vitórias. Ficou caro. Portanto aumentámos a remuneração fixa, valores modestos ainda assim, e dessa forma já posso festejar golos à vontade, sem me preocupar com o orçamento», atira, entre risos.
Porque nas despesas do clube as viagens ao continente pesam. E muito. «Basta fazer as contas. Se a viagem fica a cerca de 250 euros por jogador, se a isso somarmos hotel e estadia, estamos a falar de 350/400 euros por jogador. Depois é multiplicar isso por 18 jogadores», explica Miguel Borba, salientando a importância do apoio do Governo Regional para que o clube consiga manter as contas em dia.
O resto é com uma gestão rigorosa. «Estamos sempre a ver preços, a pedir orçamentos, a ver os voos mais baratos na SATA e na TAP», explica.
Gonçalo Valadão também aborda o tema e lembra que este ano até nem é tão mau a nível de despesas como na anterior participação no Nacional. «Nessa altura ficámos na zona centro e íamos de avião de Lisboa para o Porto porque muitas vezes ficava mais perto», recorda.
Viajar ao sábado, jogar ao domingo, voltar na segunda e…trabalhar, claro
As viagens, pois. Tema pertinente. Até ao momento, o Angrense fez apenas um jogo em solo continental, frente ao Aljustrelense (vitória por 0-3). O outro jogo fora-de-portas foi com o Praiense, também da Terceira.
«Mas temos de fazer, só na primeira fase, sete viagens ao continente. Isso provocará desgaste e traz os problemas naturais numa equipa que não tem profissionais», frisa Gonçalo.
Magina conta que só três jogadores estudam, de resto trabalham todos. «A vida acaba por ser trabalho, futebol e pouco mais. Trabalho numa empresa de resíduos hospitalares, tal como o Vítor, outro jogador. Não é propriamente fácil, porque temos de pegar em contentores de 20 ou 30 quilos. É duro mas só comecei a fazer este trabalho há três anos, antes estava na construção civil», acrescenta.
O grupo conta ainda, por exemplo, com um eletricista, outro que trabalha na entrega do pão, outro com produtos farmacêuticos. Gonçalo Valadão é bancário. José Carlos Vitória é estivador no porto local.
«Na semana passada trabalhei todos os dias até à meia-noite. Faltei aos treinos todos e não joguei para a Taça de Portugal [derrota com o Sernache, a única da época mas numa competição diferente]», lamenta Vitória.
As viagens são outro problema, explica Gonçalo: «Saímos ao sábado, o que obriga quem trabalha nesse dia a negociar uma folga com os patrões. Viajamos para Lisboa, mas os jogos são no Alentejo ou no Algarve. Temos depois de fazer a viagem de autocarro. Jogamos ao domingo, voltamos na segunda-feira às 8 da manhã e muitos vão logo diretos para o trabalho. É um sacrifício grande em prol desta paixão.»
Os sonhos do profissionalismo ficaram no passado. «Quando tinha 19 anos, cheguei a ser pré-convocado para o Torneio de Toulon, mas infelizmente não se concretizou», revela Magina, agora com 27 anos: «Podia ter chegado a um nível mais alto e continuo a lutar para que isso aconteça.»
José Carlos Vitória, aos 35 anos, já só pensa em trabalhar e arranjar tempo para treinar.
«Normalmente trabalho apenas às quartas e quintas-feiras, mas quando chega um navio de cereal a carga aumenta e lá se vão os treinos. Tento compensar nas folgas, porque não posso andar para trás, se não os mais novos passam à frente», brinca.
Quando vai aos treinos, é ele o médio defensivo da equipa nas partidas. «Gosto muito de jogar ali. De pegar na bola junto aos centrais e começar a construir jogo. Tenho dois rapazes novos na minha frente que correm muito, tenho de chegar para eles», atira.
E marca golos. «No jogo com o Louletano ganhámos 2-1 e fiz os dois golos», recorda. É, por isso, uma peça importante na equipa e esta compreende os afazeres profissionais: «Já sabem como é e nunca me prejudicaram em nada. Tenho 35 anos mas estou bem. Quando me sentir a mais, venho embora.»
Foi, de resto, uma opção estratégica que nos é contada pelo presidente Miguel Borba. «Havia boas possibilidades em S. Miguel, onde o mercado era maior, mas obrigava a oferecer habitação, alimentação, bilhetes de avião. Não podia ser. Apostamos mais na formação. Há males que vêm por bem», salienta.
Depois de explicada a realidade do clube, Gonçalo vinca que, por isso mesmo, ninguém entra em euforias com o momento atual. «Temos os pés bem assentes na terra. Se, no início do campeonato, dissessem que íamos ganhar todos os jogos até esta jornada ninguém acreditava. Nem eu se calhar. Temos feito bons jogos, o grupo é muito unido e está confiante. Tem feito a diferença», explica.
A opinião é partilhada por Cristiano Magina. Com quatro golos em quatro jogos é o melhor marcador da equipa. «Estes resultados são fruto do nosso trabalho. Temos possibilidade de bater-nos com qualquer adversário mas sabemos que mais tarde ou cedo vamos perder pontos», admite.
José Carlos Vitória, outro jogador do grupo, nem sabia que este percurso imaculado não tinha par. «É um orgulho enorme e um prémio para este grupo», comenta, salientando, porém, que não muda a ambição do grupo.
Gonçalo anui: «O nosso sonho é a manutenção. Sabemos que vamos ter a nossa fase mais negra, até pelo desgaste das constantes viagens ao continente. É algo que não podemos mudar.»
Ordenados aumentados para o presidente poder festejar à vontade
Miguel Borba é o líder de todo o projeto. O presidente do Angrense conta ao nosso jornal que o orçamento aumentou 50 por cento para esta temporada, face às despesas mais elevadas da participação num campeonato nacional.
Os ordenados também subiram. Aí foi uma opção estratégica curiosa. «Com o meu antecessor, havia um ordenado base mais baixo e prémios por jogo. Mas nem imaginam o que foi o ano passado, com a melhor época de sempre, em que tivemos 90 por cento de vitórias. Ficou caro. Portanto aumentámos a remuneração fixa, valores modestos ainda assim, e dessa forma já posso festejar golos à vontade, sem me preocupar com o orçamento», atira, entre risos.
Porque nas despesas do clube as viagens ao continente pesam. E muito. «Basta fazer as contas. Se a viagem fica a cerca de 250 euros por jogador, se a isso somarmos hotel e estadia, estamos a falar de 350/400 euros por jogador. Depois é multiplicar isso por 18 jogadores», explica Miguel Borba, salientando a importância do apoio do Governo Regional para que o clube consiga manter as contas em dia.
O resto é com uma gestão rigorosa. «Estamos sempre a ver preços, a pedir orçamentos, a ver os voos mais baratos na SATA e na TAP», explica.
Gonçalo Valadão também aborda o tema e lembra que este ano até nem é tão mau a nível de despesas como na anterior participação no Nacional. «Nessa altura ficámos na zona centro e íamos de avião de Lisboa para o Porto porque muitas vezes ficava mais perto», recorda.
Viajar ao sábado, jogar ao domingo, voltar na segunda e…trabalhar, claro
As viagens, pois. Tema pertinente. Até ao momento, o Angrense fez apenas um jogo em solo continental, frente ao Aljustrelense (vitória por 0-3). O outro jogo fora-de-portas foi com o Praiense, também da Terceira.
«Mas temos de fazer, só na primeira fase, sete viagens ao continente. Isso provocará desgaste e traz os problemas naturais numa equipa que não tem profissionais», frisa Gonçalo.
Magina conta que só três jogadores estudam, de resto trabalham todos. «A vida acaba por ser trabalho, futebol e pouco mais. Trabalho numa empresa de resíduos hospitalares, tal como o Vítor, outro jogador. Não é propriamente fácil, porque temos de pegar em contentores de 20 ou 30 quilos. É duro mas só comecei a fazer este trabalho há três anos, antes estava na construção civil», acrescenta.
O grupo conta ainda, por exemplo, com um eletricista, outro que trabalha na entrega do pão, outro com produtos farmacêuticos. Gonçalo Valadão é bancário. José Carlos Vitória é estivador no porto local.
«Na semana passada trabalhei todos os dias até à meia-noite. Faltei aos treinos todos e não joguei para a Taça de Portugal [derrota com o Sernache, a única da época mas numa competição diferente]», lamenta Vitória.
As viagens são outro problema, explica Gonçalo: «Saímos ao sábado, o que obriga quem trabalha nesse dia a negociar uma folga com os patrões. Viajamos para Lisboa, mas os jogos são no Alentejo ou no Algarve. Temos depois de fazer a viagem de autocarro. Jogamos ao domingo, voltamos na segunda-feira às 8 da manhã e muitos vão logo diretos para o trabalho. É um sacrifício grande em prol desta paixão.»
Os sonhos do profissionalismo ficaram no passado. «Quando tinha 19 anos, cheguei a ser pré-convocado para o Torneio de Toulon, mas infelizmente não se concretizou», revela Magina, agora com 27 anos: «Podia ter chegado a um nível mais alto e continuo a lutar para que isso aconteça.»
José Carlos Vitória, aos 35 anos, já só pensa em trabalhar e arranjar tempo para treinar.
«Normalmente trabalho apenas às quartas e quintas-feiras, mas quando chega um navio de cereal a carga aumenta e lá se vão os treinos. Tento compensar nas folgas, porque não posso andar para trás, se não os mais novos passam à frente», brinca.
Quando vai aos treinos, é ele o médio defensivo da equipa nas partidas. «Gosto muito de jogar ali. De pegar na bola junto aos centrais e começar a construir jogo. Tenho dois rapazes novos na minha frente que correm muito, tenho de chegar para eles», atira.
E marca golos. «No jogo com o Louletano ganhámos 2-1 e fiz os dois golos», recorda. É, por isso, uma peça importante na equipa e esta compreende os afazeres profissionais: «Já sabem como é e nunca me prejudicaram em nada. Tenho 35 anos mas estou bem. Quando me sentir a mais, venho embora.»
«Queixas dos clubes do continente? Só se for o calor…»
Dos adversários do continente, Gonçalo, que joga desde os 11 anos no Angrense (tem 33), não se recorda de grandes queixas. «É claro que fica mais caro também para eles, mas sabem que não há outra forma. Nós estamos mais habituados às viagens, isso é verdade», admite.
Magina lembra outro dado: «Eles aterram em Angra de Heroísmo e depois são 15 minutos até ao estádio. Nós aterramos em Lisboa e temos pelo menos mais duas horas de autocarro.».
«Poderiam queixar-se do calor e da humidade. Aqui é quente mais perto do Verão. Mas também jogamos este ano em Aljustrel e apanhámos 35 graus», recorda Gonçalo.
E o Angrense venceu. Como no campo do Praiense ou nas receções a Louletano e Operário da Lagoa. Quatro jogos, quatro vitórias. Oito golos marcados, apenas um sofrido. Segue-se um teste duro, frente ao Ferreiras, segundo classificado.
Gonçalo, Vitória, Magina e todos os outros deixarão mais uma vez os postos de trabalho e tentarão prolongar a epopeia do Angrense, sabendo que, se no final da época o clube continuar no terceiro escalão, a missão será cumprida. E comprida.
Dos adversários do continente, Gonçalo, que joga desde os 11 anos no Angrense (tem 33), não se recorda de grandes queixas. «É claro que fica mais caro também para eles, mas sabem que não há outra forma. Nós estamos mais habituados às viagens, isso é verdade», admite.
Magina lembra outro dado: «Eles aterram em Angra de Heroísmo e depois são 15 minutos até ao estádio. Nós aterramos em Lisboa e temos pelo menos mais duas horas de autocarro.».
«Poderiam queixar-se do calor e da humidade. Aqui é quente mais perto do Verão. Mas também jogamos este ano em Aljustrel e apanhámos 35 graus», recorda Gonçalo.
E o Angrense venceu. Como no campo do Praiense ou nas receções a Louletano e Operário da Lagoa. Quatro jogos, quatro vitórias. Oito golos marcados, apenas um sofrido. Segue-se um teste duro, frente ao Ferreiras, segundo classificado.
Gonçalo, Vitória, Magina e todos os outros deixarão mais uma vez os postos de trabalho e tentarão prolongar a epopeia do Angrense, sabendo que, se no final da época o clube continuar no terceiro escalão, a missão será cumprida. E comprida.
Fonte: Maisfutebol.pt
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